Brasil: em três anos, mais de 2 mil crianças foram mortas por policiais
Do total de crianças e adolescentes mortos por policiais no período, 69% eram negros. Estados com mais registros são Rio, São Paulo e Pará
Por: Mariana Lima
Diariamente, ao menos duas crianças e adolescentes são mortos pela polícia brasileira. Entre 2017 e 2019, policiais mataram ao menos 2.215 crianças e adolescentes pelo país.
O número de mortes foi crescendo ao longo dos anos. Em 2017, representavam 5% do total das mortes violentas nessa faixa etária, enquanto que no ano passado já somavam 16%.
O levantamento foi realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública a pedido da Folha de S. Paulo.
Vale ressaltar que só foram consideradas as unidades da federação que tinham informações sobre a idade das vítimas nos três anos analisados.
Apenas Alagoas, Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe compõem a análise.
Foram classificados como crianças e adolescentes aqueles que tinham entre 0 e 19 anos, de acordo com a recomendação do Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) e da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Boa parte das mortes não chegam a ser noticiadas, embora elas inflem as estatísticas. Este foi o caso de Matheus, 19.
O adolescente morreu com um único tiro, à queima-roupa, deixando o sonho de ser jogador de futebol e de conseguir dar uma casa para a tia, que o criou junto com a mãe.
Devido ao desemprego, Matheus trabalhava de mototaxista a poucos metros de sua casa, na Pavuna, zona norte do Rio. Ele estava parado, sentado na moto, quando veio o disparo que atingiu o seu tórax, em junho de 2019.
De acordo com testemunhas, não havia operação ou tiroteio. Na delegacia, o sargento disse que matou sem querer e ainda quis cumprimentar o pai do adolescente.
Segundo a família de Matheus, não foi feita perícia no local e o policial não foi julgado e segue patrulhando por ali.
Ainda de acordo com a análise dos dados, o homicídio é o crime violento que mais vitima crianças e adolescentes em todo o país, sendo seguido de perto pela violência policial.
O estado do Rio de Janeiro ocupa o primeiro lugar no ranking de letalidade policial nessa faixa etária, mesmo com metade dos registros sem informação de idade.
No total, foram 700 vítimas entre 2017 e o primeiro semestre deste ano.
Em 2020, o Rio foi o único estado que divulgou dados de janeiro a junho, período em que, apesar do isolamento social, 99 crianças e adolescentes foram mortos por policiais, sendo 27% na capital e 73% em outros municípios.
O estado responde por quase 40% das mortes de crianças e adolescentes decorrentes de intervenção policial no país e esse percentual mais que dobrou nos últimos dois anos.
Logo atrás do Rio está o estado de São Paulo. No ano passado, foram 120 crianças e adolescentes mortos pela polícia, sendo que 53 dos casos ocorreram na capital e 67 em outros municípios.
Esse número, ao contrário do Rio, vem caindo, mas em 28% dos registros não há a idade da vítima. Fechando o top 3 no ranking está o Pará, com 102 vítimas, mas o estado não registrou a idade em 26% dos casos.
Construir o panorama é difícil, uma vez que, até 2018, o país não tinha um sistema unificado para registros da criminalidade. Naquele ano, foi criado o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), mas que na prática ainda não foi implementado.
Em relação à cor das vítimas, 69% das vítimas da letalidade policial entre crianças e adolescentes no país são negras (pretas e pardas). Os casos se concentram na faixa etária que vai dos 15 aos 19 anos.
Fonte: Folha de S. Paulo