Brasil: mulheres pagavam por alforria, mas continuavam escravizadas
Documentos mostram que, antes da abolição, escravizados tentavam comprar suas alforrias após acordos feitos com seus proprietários. Mas, muitas vezes, vítimas continuavam sendo escravizadas, principalmente mulheres
O Brasil foi um dos últimos países a abolirem a escravidão. Isso ocorreu somente em 1888, com muita pressão internacional e de abolicionistas. Documentos mostram que antes da abolição escravizados tentavam comprar suas alforrias com acordos feitos com seus proprietários na época.
Mas, muitas vezes, o acordo não era cumprido, mesmo mediante o pagamento estabelecido. Principalmente para as mulheres escravizadas da época, que trabalhavam durante anos e mesmo assim não conseguiam a liberdade após pagarem por ela.
Foi o caso da escravizada angolana Ana Rosa Pereira, que em 1773 dizia que, após pagar cento e vinte oitavas de ouro dentro de quatro anos, receberia sua carta de alforria de Antônio Ribeiro da Fonseca, morador de Santa Bárbara.
Antes que pudesse terminar de pagar a dívida, porém, seu senhor a obrigou a voltar a servir como escrava. Ele argumentava que o período tinha acabado, quando na verdade ainda faltava um ano.
Segundo registro nos documentos, Ana alegou que o homem tomou suas criações de galinhas, animais castrados, suas plantações de milho, e os sabões por ela produzidos, tirando-lhe, assim, os recursos necessários para levantar a quantia devida para conquistar sua liberdade.
A realidade da angolana era a mesma de diversas mulheres escravizadas durante o período colonial brasileiro, que precisaram apresentar requerimentos na Justiça para pleitear sua própria liberdade ou a liberdade de seus filhos, mesmo após terem cumprido o acordo feito com seus proprietários.
Os documentos históricos foram reunidos pelo projeto MAP (Mulheres da América Portuguesa), conduzido por pesquisadoras do Grupo de Pesquisas Humanidades Digitais da USP (Universidade de São Paulo).
Para comprar sua liberdade, os negros escravizados realizavam pequenos trabalhos remunerados para juntar dinheiro e comprar sua carta de alforria, mas o mais comum era a trocar por serviços. Combinavam com o seu proprietário que trabalhariam por mais uma determinada quantidade de anos e, após esse período, o seu senhor os livraria do cativeiro.
Mas chegar até o final de qualquer acordo era extremamente difícil e quase a totalidade das pessoas escravizadas morriam como escravas, explica a professora do departamento de História da Universidade de Pittsburgh (EUA) Keila Grinberg. Nos casos em que conseguiam a liberdade, não era por benevolência do proprietário ou porque os agentes da Justiça tinham uma inclinação abolicionista, mas por resistência contra a escravidão, explica a professora.
Fonte: Folha de São Paulo