Como duas epidemias fizeram desparecer uma cidade no interior de SP
Japurá foi abandonada pela população, entre as décadas de 1930 e 1940, após uma epidemia de malária e febre amarela se alastrar pela região
Uma estação ferroviária abandonada e tomada pela vegetação, prédios com pinturas desbotadas e ruas desertas com placas apresentando ferrugens. Esse é cenário do distrito de Japurá, localizado em Tabapuã, no noroeste do Estado de São Paulo.
O que, atualmente, parece uma ‘cidade fantasma’ há 90 anos era uma vila com aproximadamente três mil moradores que viviam da agricultura e da prática do escambo. No entanto, foi abandonada pela população, entre as décadas de 1930 e 1940, após uma epidemia de malária e febre amarela se alastrar pela região.
A história da espécie de ‘cidade’ que não foi emancipada começa a ser contada, no início do século 20, a partir do prolongamento da linha férrea de Araraquara (SP) até São José do Rio Preto (SP).
Assim como diversos municípios do interior de São Paulo, que nasceram a partir da expansão da Estrada de Ferro Araraquarense (EFA) — criada para escoar a produção agrícola, entre 1900 e 1950 — Japurá também surgiu após a inauguração da sua estação ferroviária, em 19 de novembro de 1911.
“Como aconteceu em outros lugares do Brasil, o trem possibilitou que regiões fossem habitadas. Foi o que também aconteceu no Japurá. A partir da criação da estação ferroviária, imigrantes e brasileiros de outras regiões do país foram chegando e povoando o local em busca de trabalho”, conta Gabriella Teodoro Coelho, pesquisadora e autora do estudo Japurá, do progresso ao arruinamento, produzido em parceria com Janaina Andrea Cucato.
Marcos Boulos, médico infectologista e professor sênior da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), ressalta que, na primeira metade do século 20, por conta de boa parte do Estado de São Paulo ser coberto por florestas, várias regiões enfrentaram epidemias de malária.
“Até a Segunda Guerra Mundial, não havia tratamento para a malária. Sem contar, que era muito difícil o cadastramento dos casos. Por isso, assim como o Japurá, tivemos muitas regiões de São Paulo com centenas de casos da doença. Hoje, os registros que temos ficam concentrados mais na região da Amazônia”, explicou.
Registros apontam que, na década de 1920, o distrito tinha escola, igreja, cadeia pública, açougues e farmácias.
Entretanto, por estar ao redor de uma área de mata e próxima de rio, no final da década de 1920, Japurá passou a ser alvo dos mosquitos transmissores da malária e febre amarela. Com restrito acesso a serviços de saúde, falta de conhecimento científico sobre as doenças e sem saneamento básico, a epidemia em poucos meses se alastrou pela região.
“Para se curar das doenças as pessoas faziam remédios caseiros ou tinham que enfrentar horas de carroça para chegar a um médico. Além disso, não havia um tratamento correto para os sintomas. Tudo contribuiu para que as doenças se disseminassem com rapidez pelo local e fizessem inúmeras vítimas”, ressalta Bellinelo.
Outro fator que contribuiu para o local virar uma espécie de ‘cidade fantasma’ ocorreu na década de 1950, quando o trem parou de passar pela estação ferroviária de Japurá.
A falta de documentos históricos é um dos grandes entraves para que o Estado de São Paulo consiga mensurar quantas pessoas morreram de malária e febre amarela, entre 1930 e 1940, no Japurá (SP).
Isso porque foi apenas a partir da segunda metade do século 20 que municípios brasileiros passaram a contabilizar as doenças que ocorriam no país.
“O que pode ter contribuído muito também para essa epidemia no Japurá foi a própria derrubada da mata para construção da estrada de ferro e de residências a partir do crescimento da população. Você tirou o vetor do seu habitat natural, o que possibilitou a disseminação das doenças, em uma época que não havia tratamento”, defendeu Marcos Boulos.
“Estamos querendo decretar o distrito de Japurá como patrimônio histórico cultural. No caso da casa da ‘dona Petita’, temos o desejo de transformar aquilo em uma espécie de museu. Ela foi a última moradora do local. É uma história que fica e deve ser preservada”, diz a diretora de cultura de Tabapuã, Carla Prado.
Fonte: BBC Brasil