Copa do Mundo dos Refugiados: nacionalidades diversas e histórias de sobrevivência semelhantes
Por Sueli Melo
Jogadores e espectadores, pessoas que desejam reconstruir suas vidas sonhando em voltar um dia ao país de origem e que encontraram no Brasil um lar reuniram-se no Colégio Santa Cruz, em São Paulo, no último domingo, 29, para a Copa dos Refugiados, torneio do qual participaram times do Haiti, o grande campeão da competição, Mali, Congo, Síria, Colômbia e Costa do Marfim.
Mais do que um campeonato de futebol, a Copa do Mundo dos Refugiados, realizada pelas ONGs Atados, que se dedica a promover o engajamento de voluntários, e Adus – Instituto de Reintegração do Refugiado – Brasil, veio para colocar sob os holofotes pessoas em condições de vulnerabilidade social, que por diversos motivos foram obrigadas a sair de suas terras e procurar refúgio no Brasil. “O objetivo é mostrar a causa dos refugiados. Mostrar que eles existem, quem são e mobilizar voluntários para que possam ver isso de perto e se engajar mais nesta corrente”, afirmou Daniel Morais Assunção, um dos fundadores da Atados e um dos organizadores do torneio.
Segundo ele, embora seja um evento Mundial, a Copa do Mundo da FIFA é excludente e a Copa dos Refugiados foi criada justamente para inserção num momento de alegria e diversão, que eles tanto precisam. “A ideia era fazer uma Copa para todos, incluindo os refugiados, um momento de festa para eles. Queremos mostrar que eles também podem ser astros do futebol. Eles vivem uma vida difícil no Brasil. Vêm fugidos, muitos deixam a família”, ressaltou.
Este é o caso do congolês Guelor Kole Mangovo, que chegou há cerca de um mês no Brasil. A guerra Civil que se abate sobre o Congo fez com que ele fugisse, deixando para trás a mulher e o casal de filhos pequenos de cinco e três anos de idade. “Não sei onde está minha mulher e meus filhos. Ainda não consegui trabalho aqui, sou mecânico. Estão preparando a documentação. Vou fazer um curso, preparar a minha vida e procurar minha família”, disse, emocionado. Para Mongovo, um dos integrantes do time do Congo, que ficou com o segundo lugar, o evento é ótimo porque acalma os pensamentos. “Em casa passam muitas coisas na cabeça e aqui a gente se sente melhor.”
Quando um golpe de estado levou grupos armados a dominar três regiões ao norte do Mali, em 2012, Adama Konate, 33, na época estudante de contabilidade, viu-se obrigado a deixar o país e se abrigar no Brasil. A família ficou inteira lá. Tinha aprendido sobre a cultura brasileira nas aulas de história. “O mais importante aqui é a liberdade e como o Brasil apoia toda essa gente que chega de outros lugares. Sinto como se estivesse em meu país”, afirmou Konate, que conseguiu abrir uma pequena lan house no centro de São Paulo. Ele escreve poesias e sonha em publicar um livro contando sua história de vida.
O chef de cozinha sírio Karan Alshikh, 30, acredita que o Brasil é o melhor lugar do mundo para viver. “As pessoas no Brasil são diferentes, recebem todo mundo e ninguém fica perguntando sobre religião ou política”. Para ele, o único problema é que falta trabalho para profissionais sírios. “Tem pessoas que se refugiam aqui que são médicos, engenheiros e não arrumam trabalho. O Brasil precisa fazer algo para acolher essas pessoas porque eles também são importantes.”
Sobre o evento, Alshikh só tinha agradecimentos. “Essa é uma coisa maravilhosa, todo mundo conhecendo um ao outro. Essa é uma grande ajuda, agradeço a todos.”
O engenheiro mecânico Talal Altinawi, 40 anos, é sírio e chegou ao Brasil há seis meses. Quando saiu da capital Damasco, morou no Líbano por um ano. Trouxe com ele a mulher e o casal de filhos, de 12 e 9 anos. Antes de vir para cá, ele não tinha uma visão positiva do Brasil, mas isso mudou, agora que conhece nosso país. Pretende fixar-se por aqui e reconstruir a sua vida. “Estou trabalhando há dois meses e quero aprender português rápido porque quero estudar na USP”, disse. Essa urgência, no entanto, é prejudicada pelas horas que precisa trabalhar e que acaba roubando um pouco do tempo necessário para o aprendizado.
Jogando ao lado do filho adolescente no time sírio, Altinawi acredita que a Copa dos Refugiados tem grande importância. “Trouxe meu filho para jogar, trocar conhecimento e cultura”, disse. Como era o primeiro dia do Ramadã, período sagrado para os muçulmanos, o time sírio entrou em campo em jejum, mas aproveitaram a festa com o mesmo entusiasmo dos demais.
Planejando fugir para Europa ou Estados Unidos, a síria Dana ficou na Turquia por dois meses, sem conseguir trabalho. Foi então, segundo ela, que lhe disseram que seria mais fácil conseguir o visto para se refugiar no Brasil. Faz sete meses que está no país. Aprendeu o português e agora dá aulas particulares de inglês e árabe. “Não quero voltar a viver na Síria. Lá, as pessoas não podem sair, o caminho para o trabalho é muito perigoso,
cada dia acontece uma coisa.”
Segundo Dana, a todo momento ouve-se o som de bombas sobre as casas. “Tem gente que se esqueceu de como é dormir bem. Os militares entram nas casas sem bater para procurar armas. Há histórias de violência contra meninas”, contou. Quando arrumar um emprego de carteira assinada e tiver independência financeira, Dana pretende trazer a irmã, que está na Síria, para morar com ela. Por enquanto, vive num lugar onde só há espaço para um colchão e o dinheiro que ganha com as aulas ainda é muito pouco.
Além das partidas de futebol entre os seis times, o evento contou com oficina de pintura, manicure, churrasco e muita música típica de cada país participante. Neste quesito, os africanos eram os mais animados com suas danças e alegria contagiante.
Audiência Pública
No final de abril foi realizada uma Audiência Pública na Assembleia Legislativa de São Paulo para discutir a situação dos refugiados sírios e palestinos no Brasil. Na ocasião os refugiados apontaram as principais dificuldades enfrentadas no País, entre as quais estavam as questões burocráticas de liberação de documentos para que possam conseguir trabalho e moradia, além de aprender o idioma.
Segundo a historiadora, professora de História Árabe da Universidade de São Paulo e diretora do Centro de Estudos Árabes da Instituição, Arlene Clemesha, que acompanhou a Audiência, o intuito era chamar a atenção para o problema, sobre como agilizar a liberação de documentos para esses refugiados no Brasil.
O que está acontecendo na Síria, disse ela, é um massacre de grandes proporções e o mundo não pode ficar passivo diante de semelhante situação. “Sabemos que o governo brasileiro não tem uma posição hostil, de forma alguma, que está disposto a ouvir, a ajudar. Mas a burocracia é muito emperrada como em tudo aqui. As pessoas chegam com os nervos à flor da pele, vêm de cidades completamente destruídas. Nós temos o dever moral de ajudá-los a se estabelecer, buscar trabalho e poder se sustentar no Brasil. Recebê-los com dignidade”, afirmou.
Ações da Adus
De acordo com a coordenadora do curso de português do Adus, Ana Madaleno, o primeiro contato do refugiado com a ONG é em função do interesse pelo aprendizado da língua. “O curso de português é um dos trabalhos mais importantes que temos no Adus. É a partir daí que eles vão conseguir as outras coisas. Eles não arrumam emprego sem o domínio da língua.”
Os cursos, segundo ela, são oferecidos nos abrigos da Penha e do Belém e em parceria com a Universidade Anhanguera. Além disso, afirma, será aberta uma turma de 30 alunos a partir de uma parceria com a seguradora Porto Seguro. Neste caso, os funcionários serão treinados para dar aulas de português para os refugiados. “No espaço haverá cursos de capacitação profissional para auxiliar de guincho, logística e outros como biscuit, costura, manicure e cabeleireira.
Outro programa da ONG é o Apadrinhados, que consiste, segundo Ana, na assistência não somente financeira de um padrinho a um refugiado, como ressalta. “É ajudá-lo no que for preciso. Ajudá-lo a arrumar abrigo, pedir doações. Tem que visitá-lo pelo menos uma vez por mês, ver se precisa de médico, condição de moradia, de trabalho, estreitar a relação. Eles precisam de um brasileiro com que eles possam contar.”
De acordo com Ana, a essa questão da moradia também é outro problema sério, pois eles ganham pouco e o aluguel é alto. “Eles não têm fiador, ganham em torno de mil reais e o aluguel de um quarto custa cerca de quinhentos reais”. A situação, conforme Ana, é pior para o haitianos já que muitos têm de mandar dinheiro para as famílias que estão distante e que precisam de ajuda.
Refugiados no Brasil
Segundo o ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados , há cerca de 5500 refugiados no Brasil, de 79 nacionalidades diferentes. Os números revelam que os pedidos de refúgio no país têm crescido. Somente dos haitianos, nos últimos quatro anos, o Brasil teve quase 18 mil solicitações pedindo refúgio, segundo dados da Polícia Federal.
São Paulo concentra mais da metade da população de refugiados e segue sendo o destino também da maioria dos solicitantes de refúgio recém- chegados ao país. Por volta de 1500 novas pessoas, entre homens, mulheres e crianças, já foram cadastradas pela Caritas São Paulo somente desde o início de 2014. O aumento do número de chegadas de refugiados tem sido forte e progressivo. Enquanto em 2010, a Caritas registrou 310 novos pedidos de refúgio, em 2013, o número foi de 2899 solicitações.