Corte Interamericana de Direitos Humanos condena Brasil por feminicídio
Corte Interamericana de Direitos Humanos reconhece responsabilidade do Estado brasileiro no assassinato de Márcia Barbosa de Souza, há 23 anos, e na impunidade de seu assassino, o então deputado estadual da Paraíba Aércio Pereira da Lima
Por: Juliana Lima
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em decisão pioneira, condenou o Brasil pela morte de Márcia Barbosa de Souza, assassinada há 23 anos pelo então deputado estadual da Paraíba Aércio Pereira da Lima.
Essa é a primeira vez em que o país, enquanto Estado, é condenado por feminicídio. A decisão é pioneira também porque julgou o tema da imunidade parlamentar.
Melina Fachin, professora de direito constitucional da Universidade Federal do Paraná que serviu de testemunha técnica no julgamento intitulado ‘[Márcia] Barbosa de Souza versus Brasil’, disse em entrevista à Folha de São Paulo que o caso é “um precedente super importante para estabelecer esse instituto à luz dos direitos humanos”.
Na época do crime, ocorrido em 1998, compreendia-se que um parlamentar só poderia responder a um inquérito criminal caso houvesse aprovação em sua casa legislativa, o que não aconteceu com Aércio Pereira. Foi somente em 2001 que uma emenda constitucional determinou não ser necessário o aval de deputados ou senadores para julgar crimes cometidos por seus colegas. No entanto, os parlamentares ainda podem suspender o caso, se assim desejarem.
Aércio Pereira teve quatro mandatos na Assembleia Legislativa da Paraíba. Em 1998, ele matou a jovem Márcia Barbosa de Souza na noite em que a conheceu, mas sempre alegou inocência, negando que a tinha levado a um motel de João Pessoa e criando uma imagem negativa da vítima perante a mídia. Ele foi reeleito no mesmo ano.
Somente em 2007, quando já não era deputado, Aércio foi levado a júri. Apesar de ter sido considerado culpado em primeira instância, ele recorreu em liberdade e morreu no ano seguinte, aos 64 anos, sem nunca ter pisado na prisão. A Assembleia Legislativa da Paraíba ainda decretou luto de 3 dias pela morte do criminoso.
O julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos resgata o tema da defesa de Aércio, que inclusive pediu para anexar ao processo mais de 150 páginas de artigos de jornais que citavam uso de drogas e um suposto suicídio de Márcia, com a intenção de afetar sua imagem.
O tribunal internacional fala na “importância de rejeitar os estereótipos de gênero através dos quais, em casos de violência contra a mulher, as vítimas são assimiladas ao perfil de um membro de gangue ou a uma prostituta, fazendo da mulher responsável ou merecedora de ter sido atacada”.
Com a decisão, o Estado brasileiro fica obrigado a tomar iniciativas contra o feminicídio, como, por exemplo, criar um plano nacional para sensibilizar agentes que investigam crimes sob a ótica de gênero. A Corte não tem poder para impor sanções ou punições contra o Brasil, caso o país não cumpra as medidas, mas representa uma pressão internacional.
Em última instância, a Corte Interamericana de Direitos Humanos pode sugerir que a Organização dos Estados Americanos (OEA), à qual é ligada, expulse o país da organização – algo que nunca aconteceu.
Fonte: Folha de São Paulo