Criança da Cidade de Deus chama atenção por sua beleza e viraliza
Morador da Cidade de Deus, no Rio, Davi tem feito sucesso na internet após conhecer a ONG Nóiz, que realiza trabalhos sociais na comunidade, e participar de um ensaio do fotógrafo Wallace Lima. Menino perdeu o pai, vítima de assassinato, quando tinha apenas três anos
Davi Gonçalves da Rocha Brito tem apenas 11 anos, mas já enfrentou muitos desafios em sua vida. Quando tinha apenas três anos, seu pai foi assassinado e o resto da família precisou se mudar, como forma de fugir da brutalidade de um território dominado pela milícia, deixando para trás um apartamento do programa Minha Casa Minha Vida.
Morador da Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, o jovem Davi cativou as redes sociais mirando as lentes do fotógrafo Wallace Lima. Seus retratos abriram um horizonte inimaginável e o garoto foi convidado para ser modelo de uma conhecida grife de roupas infantis. Deve concretizar esta semana seu primeiro contrato profissional com uma agência de modelos.
Brincando pelas vielas da Cidade de Deus, Davi e os irmãos passaram pela porta da ONG Nóiz, que realiza trabalhos sociais na comunidade. Ele ouviu a música que vinha lá de dentro e, curioso, esticou os olhos pela fresta do portão, chamando a atenção de André Melo, presidente da instituição.
“Vi aqueles olhinhos pelo buraco e corri para abrir a porta. Estávamos fazendo uma confraternização e convidei os três para entrar. De imediato, saquei o celular e pedi a ele para tirar uma foto”, conta André.
Na conversa com o menino, o dirigente da ONG admirou-se com a expressão de encanto da criança, diante da festa e das atividades que estavam acontecendo. Por um instante, no entanto, ele se distraiu e Davi foi embora, com os irmãos, sem deixar nenhum contato.
“Eu peguei a foto dele e saí pela comunidade perguntando se alguém conhecia. Andei para lá e para cá, até que me disseram onde ele morava no Outeiro, e achei o Davi de novo”.
Após o reencontro, entrou em cena o fotógrafo Wallace Lima, que, com seu olhar treinado, propôs fazer um ensaio com o garoto. A produção, garantida pelo empréstimo de roupas em um brechó, resultou nas fotos que Lima publicou no Instagram. Enfeitadas por aquele olhar que, através de uma fresta, havia chamado a atenção de André Melo, as imagens viralizaram.
“Eu pensei: que beleza exótica, que olhar triste, mas lindo. No estúdio, improvisei um cenário. Sabia que teria visibilidade, mas não imaginei repercussão como esta. Acho que ninguém esperava”, afirmou o fotógrafo.
Muito menos Davi. Como outros de sua geração, o filho do meio de Taiane Gonçalves, de 27 anos (mãe ainda de Monique, 13, e Wallace, 10), gosta mesmo é de jogos de celular, mas também se entretém com livros, embora nas páginas de papel só reconheça as figuras. Apesar de ser aluno do terceiro ano do ensino fundamental da rede municipal de ensino, ele ainda não sabe ler.
De acordo com a família, opinião reforçada por André Melo, da ONG Nóiz, o regime de aprovação automática fez com que o menino fosse passando de ano sem o devido aprendizado.
O cenário piorou ao longo da pandemia de Covid-19. Matriculado na Escola Municipal Augusto Magne, na Cidade de Deus, Davi afastou-se das aulas presenciais a partir do início de 2020, mas não teve como aderir ao ensino remoto. A família, sem posses, não tem computador nem como repor com frequência os créditos no celular.
“Infelizmente, todo dinheiro que a gente consegue é para comida. Alimentação é a prioridade de quem mora na favela. Eu sei que isso afetou muito o aprendizado dele. Por ser novinho, ele não entende, mas espero que, quando cresça, entenda e me perdoe por não ter podido fazer mais”, disse Taiane, a mãe de Davi.
A história de Davi lembra a da afegã Sharbat Gula, órfã desde os 6 anos e que tinha 12 quando foi retratada pelo fotógrafo americano Steve McCurry, em 1985. A imagem correu o mundo. Estampada na capa da revista National Geographic, a “Menina afegã” parecia exprimir, através de belos olhos verdes, toda a dureza de uma rotina vivida ainda na infância.
O sucesso de Davi faz a família ter esperança de uma vida melhor e com condições de investir nos estudos do menino.
Fonte: O Globo