Doenças ‘esquecidas’ deixam 28 milhões de brasileiros sob risco
Todos os anos, 28,9 milhões de brasileiros correm o risco de sofrer com alguma das doenças tropicais negligenciadas que ainda assolam o país. Número representa 14% da população total.
Todos os anos, 28,9 milhões de brasileiros correm o risco de sofrer com alguma das doenças tropicais negligenciadas que ainda assolam o país. Isso representa 14% da população total.
Essa estimativa praticamente dobrou no período entre 2016 e 2020 — até 2015, acreditava-se que esses problemas de saúde poderiam afetar cerca de 15 milhões de pessoas (ou 7,3% da população).
Esses são alguns dos dados que aparecem em um boletim epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde no final de janeiro.
Entre as condições que aparecem na lista, algumas possuem diagnóstico e tratamento disponíveis há anos na rede pública, como a hanseníase e o tracoma. Outras estão diretamente relacionadas às condições precárias de moradia ou à falta de saneamento básico e acesso à água potável, casos de esquistossomose e filariose linfática.
Como mostrou o Censo 2022, 49 milhões de brasileiros (24% da população) ainda vivem em residências sem descarte adequado de esgoto, 18 milhões (9%) não têm coleta de lixo, 6 milhões (3%) não têm abastecimento de água adequado e 1,2 milhão (0,6%) não têm banheiro ou sequer um sanitário.
Há algumas doenças que se espalham praticamente por todo o território nacional, como os acidentes ofídicos (as mordeduras de serpentes), e outras que estão restritas a pouquíssimos municípios, como a raiva humana.
Em editorial divulgado recentemente em uma publicação acadêmica, representantes do Ministério da Saúde admitiram que a existência dessas doenças no país — e o fato de elas afetarem principalmente populações socialmente vulneráveis — “nos envergonha como nação”.
Um projeto lançado pelo governo federal nas últimas semanas promete eliminar ou controlar muitas dessas enfermidades. Em linhas gerais, as doenças tropicais são definidas como aquelas que acontecem nos trópicos ou nas regiões mais quentes do planeta.
Embora o conceito seja um tanto impreciso — algumas dessas condições também aparecem nas zonas temperadas, por exemplo —, é tradicionalmente usado para reunir uma série de quadros diferentes, que vão desde a malária e a dengue até a dracunculíase e as micoses profundas.
Quando uma doença tropical pode ser considerada como negligenciada?
“São aquelas condições em que não existe um investimento importante, principalmente no que diz respeito à inovação tecnológica e à descoberta de novos medicamentos, vacinas ou testes diagnósticos”, diz o infectologista Julio Croda, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Essas enfermidades também costumam estar relacionadas à pobreza e são “esquecidas” do ponto de vista do poder público. Geralmente, não há programas para prevenção, detecção precoce ou tratamento delas.
“Falamos de doenças negligenciadas, mas o correto seria falar de doenças que acometem populações negligenciadas”, argumenta Croda, que também é professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. “Isso porque elas estão associadas a desigualdades sociais e econômicas, o que também leva ao baixo interesse da indústria farmacêutica em produzir inovações, pois do ponto de vista financeiro não se trata de um mercado lucrativo.”
A OMS inclui na lista das doenças tropicais negligenciadas 25 condições diferentes. Destas, dez são citadas diretamente no mais recente boletim epidemiológico do Ministério da Saúde sobre o tema.
A maioria delas são causadas por vermes, protozoários, bactérias ou vírus. “O tracoma, por exemplo, tem diagnóstico e tratamento simples, que se baseia em uma dose única de antibiótico. Não é possível que nós ainda tenhamos casos de brasileiros que ficam cegos por causa dessa infecção”, diz Croda.
Mudanças climáticas favorecem disseminação de mosquitos transmissores de doenças
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que as doenças tropicais negligenciadas afetam 1,7 bilhão de pessoas no planeta e estão relacionadas a 200 mil mortes todos os anos.
Fonte: BBC Brasil