Entrevista exclusiva: Eduardo Suplicy fala sobre seu novo papel à frente da Secretaria de Direitos Humanos de São Paulo e afirma que pretende estimular iniciativas do Terceiro Setor
Por Sueli Melo
A convite do prefeito Fernando Haddad, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) vai assumir a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania no lugar de Rogério Sottili, que ocupa o cargo desde 2013. Após 24 anos de Senado, Suplicy, que está com 73 anos, exercerá pela primeira vez um cargo majoritário. Em entrevista exclusiva concedida ao Observatório do Terceiro Setor, o parlamentar, que se despede do cargo em 31 de janeiro, falou sobre como pretende desenvolver seu trabalho a partir fevereiro, quando assumirá a nova função.
Um dos objetivos principais do novo secretário é levar adiante o projeto Renda Básica de Cidadania, de sua autoria, que se constitui no direito de todos os brasileiros residentes no país e estrangeiros residentes há pelo menos 5 anos ou mais no Brasil, não importando sua condição socioeconômica, receberem, anualmente, um benefício monetário. Além disso, pretende continuar estimulando iniciativas do Terceiro Setor.
Leia a entrevista a seguir:
Observatório do Terceiro Setor: Quais são suas expectativas para a nova missão à frente da Secretaria de Direitos Humanos?
Eduardo Suplicy: Primeiramente, fico muito honrado pelo convite feito pelo prefeito Fernando Haddad. Ele me indicou porque considera que eu posso dar uma colaboração positiva para a prefeitura e eu tenho, ao longo de nossa vida política, contribuído muitas vezes. No ano que precedeu a eleição, em um debate em Guaianazes, perante 1500 pessoas, Haddad falou da consideração que ele tinha com a minha passagem na Renda Básica de Cidadania e que ele iria então me incluir em cooperação com os governos estaduais e federal. Então resolvi apoiá-lo e tenho o apoiado em suas diversas ações. Sou membro do Conselho Gestor da Prefeitura de São Paulo e também tenho tido com o secretário Rogério Sottili uma atitude sempre de apoio como, por exemplo, em relação aos imigrantes haitianos, angolanos, sírios, nigerianos, bolivianos, paraguaios e tantos outros que têm chegado à cidade de São Paulo e que têm recebido atenção especial por esta secretaria.
Observatório do Terceiro Setor: Como o senhor vê o cenário atual no Brasil, em que grande parte dos brasileiros apoia a pena de morte, a exemplo das manifestações nas redes sociais em favor da execução do brasileiro na Indonésia?
Eduardo Suplicy: Tenho a convicção de que a pena de morte não contribui para diminuir a criminalidade violenta. Fará 500 anos em 2016 quando Thomas Moro, num diálogo contido no seu livro “Utopia”, sobre a pena de morte, que instituída na Inglaterra, no início do século XVI, não havia colaborado para diminuir os assaltos, os assassinatos, ele ponderou que, muito mais eficaz do que infligir esses castigos horríveis a quem não tem outra alternativa senão a de tornar-se primeiro em ladrão para depois transformar-se em cadáver, é garantir a segurança dessas pessoas. Então é melhor assegurar uma renda básica à população e assegurar os devidos direitos à educação em tempo integral para todos os jovens e assim por diante do que castigar depois. Esse rapaz [Marco Archer] que foi morto na Indonésia, segundo relatos do irmão e amigos, estava arrependido depois de onze anos preso. Ele estava disposto a voltar ao Brasil e iniciar um processo de educação para que jovens não entrassem no mundo das drogas. Acho que isso seria muito melhor do que o fuzilamento.
Observatório do Terceiro Setor: Como o senhor vê o papel da polícia nas manifestações populares que têm ocorrido, como a do Movimento Passe Livre?
Eduardo Suplicy: É importante que os movimentos se caracterizem pelas manifestações não violentas. Esta sempre tem sido a minha recomendação, seja para o Movimento Passe Livre, seja a todos que participam destas manifestações. A violência e o quebra-quebra acabam enfraquecendo o movimento. Por outro lado, é preciso que a polícia tenha muito cuidado em não reagir de maneira tão violenta, proporcionando, às vezes, conflitos que resultam ser muito maiores do que se tivesse havido bom senso no diálogo com os manifestantes.
Observatório do Terceiro Setor: Como o senhor pretende atuar em relação às populações mais suscetíveis, como a de rua. Buscará apoio de outras secretarias da administração?
Eduardo Suplicy: Sobre a população de rua, hoje de manhã o Padre Júlio Lancelloti, muito preocupado com essa condição, me telefonou para passar algumas considerações com respeito ao tratamento dado pela Prefeitura Municipal. Eu tenho uma interação bastante forte com a coordenação do movimento da população de rua, com o seu coordenador. Também estive algumas vezes com Rogério Sottili na Cracolândia, preocupado com a questão de como reduzir e controlar o uso de drogas. Numa cidade com 12 milhões de habitantes, constantemente temos situações de desrespeito aos direitos humanos, nos mais diversos lugares. Então um secretário de Direitos Humanos e Cidadania precisa estar atento a tudo que acontece em nosso município. E é esta a minha disposição, a de ajudar muito e de, inclusive, interagir também, seja com a Secretaria de Igualdade Racial, para estar sempre verificando a igualdade de tratamento e de oportunidades para os negros e também contribuir para garantir igual tratamento a toda e qualquer pessoa, não importa origem, raça, sexo, idade, condição civil ou socioeconômica. Aliás, a Renda Básica de Cidadania tem justamente esse propósito. Na medida em que eu puder ajudar o prefeito, o governador e a presidenta Dilma a caminhar na direção para que seja instituída no Brasil a Renda Básica de Cidadania tal como previa a Lei n° 10.835, de 8 de janeiro de 2004, sancionada pelo presidente Lula em 8 de janeiro de 2004, há 11 anos, depois de ter sido aprovada por todos os partidos no Congresso Nacional, eu estou disposto a fazer.
Observatório do Terceiro Setor: Qual é papel do Terceiro Setor nessa construção social na qual o senhor se empenhará?
Eduardo Suplicy: Ao longo do meu mandato de senador, um dos temas sobre os quais eu mais me dediquei foi a economia solidária, as formas cooperativas de produção. Finalmente em dezembro último foi aprovado o Projeto de Lei tanto da autoria do senador Osmar Dias quanto de minha autoria (houve mais de um projeto), com parecer final da senadora Gleisi Hoffmann, que combinou proposições de ambos os projetos para definir as normas e diretrizes das sociedades cooperativas. Então, na Secretaria de Direitos Humanos darei toda a força às formas cooperativas de economia solidária, a exemplo de cooperativas que têm sido estimuladas pela Prefeitura Municipal como as cooperativas de materiais recicláveis – existem hoje diversas na Capital. Uma cooperativa que tem uma história muito bonita – e que foi tema de um livro escrito pela jornalista Mônica Dallari – é a Cooperativa dos Vendedores Autônomos do Parque Ibirapuera. Em 2000, quando Celso Pitta era o prefeito, a presidente da Associação dos Vendedores Ambulantes me encontrou fazendo exercício no Parque Ibirapuera e me fez um apelo diante de um problema. A prefeitura havia determinado que todos aqueles vendedores ambulantes saíssem do parque até outubro (estávamos em janeiro de 2000). Seria feita uma licitação para que cinco grandes empresas tomassem conta de cinco quiosques cada uma e os ambulantes poderiam, se o desejassem, trabalhar nestas empresas. Mas eles ficaram muito preocupados porque dentre esses vendedores havia pessoas idosas ou que tinham alguma deficiência e há muito tempo trabalhavam ali e sobreviviam daquilo. Foi então que sugeri à presidente da associação: “Que tal se vocês formarem uma cooperativa” e fui falar com o prefeito e com o Secretário Municipal do Verde e do Meio Ambiente, na época, Ricardo Ohtake. Ambos concordaram e assim foi formada uma cooperativa que já tem hoje 15 anos e que é um exemplo muito bem sucedido. E eu continuo dando força. Sou do conselho da Cooperativa e sempre eles me pedem para apoiá-los em todos os diálogos com a prefeitura. Uma história muito interessante dentro do Terceiro Setor só para exemplificar.