Estoque de restaurante fechado é transformado em doação de marmitas
Augusto Pinto, gestor do restaurante, viu no estoque a oportunidade de criar um projeto de doação de marmitas à população vulnerável
Por: Júlia Pereira
Ainda no início da quarentena, em meados de março, o mundo estava começando a se adaptar às mudanças que viriam. Alguns bares e restaurantes, por exemplo, suspenderam o atendimento presencial e passaram a fazer as entregas por delivery. Outros fecharam as portas. Foi o caso do MIMO que, no dia 14 de março, suspendeu as atividades.
Com as portas fechadas, o restaurante tinha uma grande quantidade de alimentos perecíveis no estoque. Para não desperdiçar nada, Augusto Pinto, gestor do estabelecimento, decidiu agir para fazer a distribuição de refeições à população que mais precisava naquele momento.
De início, Augusto não sabia muito bem como colocar a ideia em prática. Por isso, entrou em contato com pessoas e organizações que já promoviam ações semelhantes no Terceiro Setor.
Depois de participar de algumas ações com tais organizações, ainda sozinho, ele começou a preparar pequenas quantidades de refeições para entender o processo. Até que montou uma equipe adequada ao trabalho, inclusive com pessoas que conheceu na rua pedindo marmita. O projeto, então, tomou forma e ganhou nome: Comida para Todes.
No início, a doação das marmitas era feita em alguns lugares do Centro de São Paulo, como na Favela do Moinho. Mas, com a ajuda de apoiadores, foi possível expandir a atuação. Hoje, são distribuídas entre 7 mil e 7,5 mil refeições por mês.
Mesmo com o estoque do MIMO acabando, o Comida para Todes conseguiu manter as atividades, como por meio de crowdfunding, doações realizadas por clientes e parceiros do restaurante, além do próprio estabelecimento, que oferece o espaço para preparo das refeições.
O projeto também recebe o auxílio da Porto Seguro, com a logística e transporte durante a doação das marmitas.
A equipe do Comida para Todes é formada tanto por pessoas remuneradas que, em razão da pandemia, perderam seus empregos, quanto por voluntários, que atuam em áreas como assessoria de imprensa, administração, gestão e captação de imagens para a divulgação nas redes sociais.
“As funções que elas exercem são fundamentais para que a gente consiga continuar. Voluntário é sempre importante. Cada projeto tem uma especificidade”, ressalta o criador do Comida para Todes.
A atuação não se limita somente à doação das marmitas. Augusto explica que, no dia a dia, ele e a equipe percebem as necessidades das pessoas e promovem outras ações, como a doação de roupas, cobertores, barracas e até mesmo pipas para as crianças.
“A marmita, na verdade, é uma desculpa para você estabelecer um contato com essas pessoas, que precisam muito mais de atenção”, diz Augusto.
A documentação fotográfica é um dos focos do Comida para Todes. Os retratos estão reunidos no projeto Desinvisiveis e, em breve, estarão presentes em uma exposição virtual.
“Esse projeto ressignificou a minha vida”
Augusto sempre atuou com projetos, nem sempre de forma remunerada, mas com causas específicas ligadas à arte, como com a restauração de museus.
Até que decidiu migrar de área e criou o primeiro restaurante vegetariano de alta gastronomia em São Paulo, o Gaia, em um momento em que a discussão sobre consciência ambiental e impacto do consumo consciente ainda não era tão comum assim.
“Durante os 14 anos que o restaurante esteve aberto, eu sempre tive esse cuidado de compostar o lixo, não vender plástico, não vender produtos industrializados que não tivessem uma funcionalidade específica, trabalhar com consciência alimentar”, explica.
Quando pensou que iria se aposentar, aos 57 anos, Augusto se deparou com uma nova oportunidade de aprendizado, momento para colocar em prática a experiência que teve na área de gestão de projetos e na gastronomia.
O gestor diz que a experiência no Terceiro Setor é mais dinâmica do que a que tinha no restaurante, pois, diariamente, ele se depara com missões, desafios, descobertas e experiências novas.
“Esse projeto ressignificou a minha vida, sem dúvida nenhuma, de diversas formas. Além de quebrar vários tabus, porque quando você está do lado de dentro do vidro do carro, você vê uma pessoa em situação de rua e imagina muitas coisas. Cada pessoa tem uma história de vida, chegou ali por uma razão que é muito difícil você saber sem estabelecer esse contato e sem abrir mão de preconceitos e outros tipos de defesa que a gente tem para não ver aquilo que não agrada aos nossos olhos”, destaca Augusto.
Com a flexibilização da quarentena e reabertura de bares e restaurantes, o MIMO deve abrir as portas em outubro. Por isso, a equipe do Comida para Todes está em busca de um novo espaço para continuar atuando.
Mesmo com a retomada das atividades do restaurante, Augusto já adianta que vai se desligar do estabelecimento como gestor para continuar atuando somente com o Comida para Todes com a ajuda de outros colaboradores, ou prestando outros tipos de serviços para projetos semelhantes, dividindo a experiência que está tendo ao longo desses meses.