Estudo mostra como violência afeta saúde mental de moradores da Maré
Sete em cada dez moradores do Complexo da Maré, no Rio, temem que um conhecido seja atingido por um tiro. Segundo pesquisadores, a violência produz traumas, afeta a saúde mental e reduz a confiança nas instituições
Por: Mariana Lima
Um estudo, realizado pelas ONGs People’s Palace Projects e Redes da Maré, buscou mapear a saúde mental dos moradores do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. No total, sete em cada dez moradores disseram ter medo frequente de um conhecido ser atingido por um tiro.
Os pesquisadores pontuam que o receio está relacionado à frequência com que esses moradores se veem expostos à violência: 44% relataram que estiveram em meio a um tiroteio nos 12 meses anteriores à entrevista, enquanto 32% passaram por isso mais de uma vez.
Foram ouvidos 1.411 moradores acima de 18 anos entre 2018 e 2020. As respostas colhidas indicam que a violência já impactou o círculo social dos entrevistados, uma vez que um em cada quatro relatou que alguém próximo já foi baleado ou assassinado.
Para 13% dos moradores, mais de uma pessoa próxima foi ferida ou morta pela violência armada. Além disso, 17% testemunharam alguém ser baleado ou assassinado no ano anterior à pesquisa, sendo que um quarto disse ter presenciado um espancamento ou agressão física.
O que os resultados indicam
Na avaliação dos pesquisadores, essas experiências produzem traumas, afetam a saúde mental e reduzem a confiança dos moradores nas instituições. De acordo com o estudo ‘Construindo Pontes’, 15,3% dos moradores sentem medo muitas vezes e 14,1%, algumas vezes. Somente 8,7% disseram não ter esse medo e 6,3%, raramente.
Quando questionados sobre si mesmos, metade dos moradores (50,2%) afirmaram que sempre sentem medo de serem atingidos por um tiro. Apesar de 67,3% responderem que não têm medo de circular pela Maré, 55,1% afirmaram já ter sentido medo de falar sobre o pensam ou sentem na região.
Depressão e ansiedade: os sintomas mais comuns
De acordo com o estudo, um terço dos moradores enfrenta impactos da violência na saúde mental. Os problemas mais comuns são episódios depressivos (26,6%) e ansiedade (25,5%). Entre as pessoas que estiveram em meio aos tiroteios, 12% relatam pensamentos suicidas.
Os efeitos da exposição à violência também apresentam impactos físicos, uma vez que há relatos relacionados a dificuldade para dormir (44%), perda de apetite (33%), vontade de vomitar e mal-estar no estômago (28%) e calafrios ou indigestão (21,5%).
Além disso, a violência impacta outras atividades dos moradores. No total, 26,5% da população teve algum problema no trabalho, escola ou universidade, devido à situação de violência na Maré nos 12 meses anteriores à pesquisa.
Como cuidar do bem-estar
Os pesquisadores apontam para percentuais acima de 80% para a satisfação dos moradores com as relações familiares e amizades. Eles reforçam que as redes de apoio formadas por pessoas como familiares e vizinhos são fundamentais para lidar com adversidades, incluindo a violência.
Para lidar com os efeitos da violência no bem-estar, a prática religiosa foi relatada por 71% dos moradores, sendo os católicos (30%) e os evangélicos pentecostais (28,5%) os maiores grupos.
Já o esporte faz parte da vida de 46% dos adultos da Maré, destacando-se a caminhada (28,4%), o futebol (23,6%) e a ginástica e/ou musculação (18,7%).
Sete em cada dez entrevistados afirmaram conhecer ao menos um espaço cultural no complexo de favelas, mas só 18% afirmaram frequentar algum deles ao menos uma vez por mês.
Dentro de casa, as formas de cultura mais consumidas (ao menos uma vez na semana) são televisão (92,5%), música na internet (67,2%), vídeos na internet (64,3%), música por outros meios (46,3%), filmes ou séries na internet (44,8%), filmes ou séries em outros meios (44%), escrita (26,7%), leitura de livros de papel (25,6%), leitura de livros digitais (9,1%) e pintar (3,2%).
Fora de casa, os moradores relataram com mais frequência que fotografaram (27,9%), ouviram música ao vivo (15,8%), dançaram (15,7%) e cantaram/tocaram instrumentos (10,3%).
Fonte: Agência Brasil