Evento com Malala Yousafzai discute a educação das meninas no Brasil
A ativista contou que sua fundação investirá US$ 700 mil na educação do país
Por: Isabela Alves
No dia 9 de julho, a mais jovem ganhadora do Nobel da Paz e ativista dos direitos das mulheres Malala Yousafzai realizou uma palestra no Auditório Ibirapuera, em São Paulo. O evento teve como foco principal o papel da educação no desenvolvimento infantil e das mulheres no Brasil.
“A educação tem a ver com emancipação. Minha esperança é que as meninas tenham educação de qualidade para que possam lutar pelos seus direitos e alcançar os seus maiores sonhos. A educação é o maior investimento a longo prazo”, disse Malala em seu discurso de abertura.
A ativista paquistanesa revelou que escolheu o Brasil para a sua viagem por conta da grande desigualdade entre homens e mulheres, e pelos dados alarmantes sobre a educação no país.
Segundo o artigo 227 da Constituição Brasileira, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, profissionalização, cultura, dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Além disso, está escrito que é um dever colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
“A Constituição coloca a criança como responsabilidade de todos nós, mas o que está escrito lá ainda não é uma realidade. O Brasil lidera o ranking de violência contra crianças, principalmente contra as meninas negras”, afirma Ana Lúcia Vilela, presidente do Instituto Alana e a primeira mulher a integrar o Conselho de Administração do Itaú Unibanco.
Um dos dados alarmantes que Ana Lúcia destacou foi que o Brasil demorará 260 anos para atingir o índice de leitura de países ricos. Segundo ela, desde a primeira infância, as meninas são pouco estimuladas a serem inteligentes. Isso se reflete ainda no Ensino Médio, em que mais da metade dos meninos acham que existem profissões que só podem ser exercidas por homens.
“Para mudar o país, é preciso dar oportunidades reais para todos. As meninas são capazes de ocupar os lugares que quiserem na sociedade e de conquistar todos os seus sonhos. É preciso apoiar nossas futuras astronautas, engenheiras e professoras”, fala Ana Lúcia.
O evento também contou com personalidades femininas do país, como a escritora Conceição Evaristo; a fundadora da Casa do Zezinho, Dagmar Rivieri (mais conhecida como Tia Dag); e Tabata Amaral, que se formou em Ciências Políticas e Astrofísica em Harvard. Todas contaram sobre as suas histórias de vida e como a educação as transformou.
Conceição Evaristo foi a personalidade que abriu as mesas de debate. Nascida em uma favela em Belo Horizonte (MG), Conceição veio de uma família muito pobre, com nove irmãos e sua mãe. Quando jovem, ela teve que conciliar os estudos com o trabalho de empregada doméstica até se formar aos 25 anos.
Entre suas obras mais conhecidas estão ‘Ponciá Vicêncio’ (2003) e ‘Becos da Memória’ (2006). Por meio de sua literatura, ela expõe temas como a discriminação racial, de gênero e de classe. “Pensar em leitura, também é pensar na escrita. Pessoas que não têm acesso a esses direitos não têm uma cidadania completa”, diz.
Segundo a escritora, através da leitura, é possível embarcar em outros mundos, mas é com a escrita que é possível intervir em uma realidade e deixar sua marca no mundo. Inspirada por sua fala, Malala completou falando da importância da leitura na vida de sua mãe.
A paquistanesa contou que sua mãe deixou a escola quando criança porque era a única menina na sala de aula e, mesmo tendo um marido responsável por uma escola para meninas no Paquistão, ela permaneceu analfabeta durante anos. Seu interesse pela educação ressurgiu quando viu sua filha lutando pelo direito aos estudos em 2008.
“Eu me inspiro na minha mãe ao pensar em educação. Minha mãe não me contava histórias para dormir quando eu era pequena, porque não sabia como. Até coisas que para nós são corriqueiras, como pegar um ônibus, para ela eram impossíveis”, relata.
A segunda mesa de debate tratou dos vínculos afetivos com a educação e a fundadora da Casa do Zezinho, Dagmar Rivieri, foi a responsável por comandar esse debate. Dagmar contou que na sua instituição recebe diversas crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
Um dos casos que mais a marcou foi ode uma menina que se prostituía aos 10 anos de idade por R$ 10. “Eu não podia julgar e nem dar uma bronca, senão iria afastá-la de mim. Contei para ela que se eu fosse me prostituir, não seria aqui em São Paulo e por esse valor. Me prostituiria em Brasília, porque lá iria ter uma vida melhor”.
Ao conversar dessa maneira, Dagmar conseguiu convencer a criança a fazer diversas atividades, como música e natação. Através dessas ações, a menina criou novas perspectivas, e parou de se prostituir. Hoje, ela trabalha como dentista. “Antes de julgar ou rotular uma pessoa, é preciso ouvir. Ninguém quer estar mal na vida, todo mundo tem um sonho. Educação transforma e é um ato de amor para qualquer pessoa”, conta.
A terceira mesa, que tratou do empoderamento feminino, foi comandada por Tabata Amaral. Filha de um cobrador de ônibus e de uma diarista, ela conta que morou a maior parte de sua vida na Vila Missionária, periferia de São Paulo. Por conta da sua grande dedicação aos estudos, Tabata conseguiu bolsa integral na Universidade de Harvard e em outras cinco universidades nos EUA.
Na faculdade, começou a pensar em como poderia mudar a realidade do Brasil. Por conta disso, criou o Mapa pela Educação, que tem o objetivo de levar educação de qualidade para os jovens, e o Acredito, um movimento de renovação política.
“Percebi que no Brasil o tamanho do seu sonho e até onde você pode chegar têm cor, gênero e CEP. Quando não valorizamos a educação, acabamos perdendo uma geração de talentos. O Brasil tem jeito e eu acredito que as coisas vão melhorar a partir do momento em que as pessoas voltarem a acreditar. A vida é dura demais para viver sem sonhos”, afirma.
A Fundação Malala no Brasil
Na semana em que completa 21 anos, Malala anunciou a expansão das atividades do Malala Fund para a América Latina.
A organização, fundada em 2013 com o objetivo de promover a educação de meninas no mundo, movimenta US$ 10 milhões (R$ 39 milhões) ao ano e deve investir US$ 700 mil (R$ 2,7 milhões) em três jovens ativistas pela educação de diferentes partes do Brasil. A ativista afirmou que o investimento visa transformar a vida de 1,5 milhão de meninas que não têm acesso à educação no Brasil.
“A melhor forma de melhorar a educação em qualquer país é fazer parcerias com as ativistas locais. Vamos focar nas regiões que mais precisam, como o Nordeste do Brasil, mas também vamos apoiar outras campanhas. Queremos trabalhar junto com vocês”, conclui Malala.