Iniciativa promove o acesso a livros para pessoas negras no país
O projeto visa conectar pessoas negras que precisam dos livros a doadores em potencial. Iniciativa busca sanar as dificuldades no acesso às obras
Por: Mariana Lima
Foi no twitter que a doutoranda em Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Winnie Bueno, 31, apresentou a iniciativa ‘Tinder dos Livros’.
Apesar de ter o nome do aplicativo de paquera, a iniciativa de Winnie funciona de maneira diferente. Ao invés de dar match, o projeto quer conectar possíveis doadores a pessoas negras que precisam.
A iniciativa não funciona via aplicativo e quem deseja doar precisa procurar Winnie através de uma mensagem direta no Twitter. Depois, quando uma pessoa negra entrar em contato com ela porque precisa de um livro, Winnie passa para o possível doador os dados da publicação de quem pediu o material e o endereço.
A doutoranda teve a ideia de criar a iniciativa durante o feriado da Consciência Negra em 2018. Winnie estava indignada pela maneira como pessoas brancas tendem a se apresentarem como antirracistas no ambiente virtual, e, no entanto, não realizavam nenhuma atitude para mudar as desigualdades estruturais presentes na sociedade brasileira.
Em sua postagem no Twitter, Winnie coloca que essas pessoas poderiam ser mais úteis se ao invés de ficarem se colocando como antirracistas, fizessem algo mais prático, como doar livros para pessoas negras.
O Tinder dos Livros
O projeto ainda enfrenta alguns obstáculos, principalmente em relação à demanda de material. Aparecem muito mais pessoas negras que precisam dos livros do que indivíduos dispostos a doar. Até o momento, o Tinder dos Livros já realizou 800 doações.
O apoio se torna uma ferramenta fundamental em um projeto como esse. A iniciativa chegou a receber da editora Companhia das Letras 20 exemplares de “Americanah’, livro premiado da autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.
Outras doações também chegaram para o projeto, como a da Estante Virtual, que ofereceu obras raras; do cantor Emicida, que mandou 50 exemplares do seu livro infantil “Amora”; e de Sueli Carneiro, fundadora do Instituto Geledés da Mulher Negra, que contribuiu com exemplares do livro “Escritos de uma vida”. Esse último material se esgotou em 10 minutos.
Winnie ainda não realizou um levantamento do perfil das pessoas que são beneficiadas pela iniciativa, mas ela percebe que as obras não se limitam aos universitários, alcançando também crianças e adolescentes. Além das doações individuais, bibliotecas comunitárias também acabam sendo beneficiadas pelo projeto.
Um dos objetivos do projeto é facilitar o acesso a autores negros. Eles não ocupam grandes espaços no mercado editorial e nem nos espaços públicos, como nas bibliotecas.
Winnie percebeu com maior efetividade essa dificuldade em encontrar obras de autores negros durante seu mestrado. Ela precisa de livros da filósofa americana Patricia Hill Collins – tema da sua dissertação –, porém, boa parte do material só estava disponível em inglês, e com preços altos.
Um livro de cada vez
Hoje, o Twitter de Winnie já tem 29,6 mil seguidores, e a thread sobre o Tinder dos Livros já foi retuitada 1,6 mil vezes e recebeu 3,8 mil curtidas.
Com quase um ano de funcionamento da iniciativa, Winnie mantém o desejo de ampliar o projeto, estendendo a atuação para um site próprio ou tentando otimizar a comunicação no Twitter.
As histórias das pessoas que pedem os livros emocionam Winnie, como a de uma mãe que pediu um livro sobre autismo para conseguir compreender melhor o filho.
Outra história se refere a um menino que cumpria medida socioeducativa e que desejava ler Harry Potter, porém não tinha acesso aos livros. Winnie havia lido os livros na infância junto à avó, o que a sensibilizou para que ela mesma enviasse os livros.
“Segundo a assistente social e a psicóloga que o atendem, ele nunca tinha ganhado um presente. Foi muito bonito poder proporcionar o primeiro presente de um adolescente e ser justo a coletânea de livros que me acompanhou durante toda a adolescência”, contou Winnie em entrevista ao site da Fundação Telefônica Vivo.
A iniciativa busca chamar atenção para esse consumidor literário negro, que, assim como muitos autores, também é neglicenciado na hora de acessar esse mercado.