Lei educacional do Brasil via meninas com capacidade intelectual inferior
A primeira grande lei educacional do país, de 1827, determinava que meninos e meninas tivessem currículos escolares diferentes, sendo que enquanto os meninos deveriam aprender mais matemática, as meninas deveriam ter aulas de prendas domésticas, como corte, costura e bordado
A primeira grande lei educacional do Brasil, de 1827, determinava que, nas “escolas de primeiras letras” do Império, meninos e meninas estudassem separados e tivessem currículos diferentes.
Em matemática, as garotas tinham menos lições do que os garotos. Enquanto eles aprendiam adição, subtração, multiplicação, divisão, números decimais, frações, proporções e geometria, elas não podiam ver nada além das quatro operações básicas. Nas aulas de português e religião, por outro lado, o conteúdo era o mesmo para meninos e meninas.
Os governantes e políticos da época enxergavam as meninas com capacidade intelectual menor que os meninos. “Para elas, acho suficiente a nossa antiga regra: ler, escrever e contar. Não sejamos excêntricos e singulares. Deus deu barbas ao homem, não à mulher”, discursou o senador Visconde de Cayru (BA).
A fala do Visconde de Cayru está guardada no Arquivo do Senado, em Brasília. Antes de ser assinada pelo imperador dom Pedro I e virar lei, a proposta que estruturava o ensino primário do Brasil foi discutida e votada na Câmara e no Senado.
Os senadores travaram acalorados debates sobre qual seria o currículo mais apropriado para as crianças do sexo feminino nesse Brasil oitocentista.
No Senado, o Visconde de Cayru foi um dos defensores de que o currículo de matemática das garotas fosse o mais enxuto possível. Nas palavras dele, o “belo sexo” não tinha capacidade intelectual para ir muito longe.
A lei de 1827 também previa que as escolas femininas oferecessem aulas de prendas domésticas, como corte, costura e bordado. O projeto original, redigido pelos deputados, não continha tal disciplina prática. As prendas domésticas foram introduzidas pelos senadores.
Da mesma forma, foram mudanças feitas pelo Senado na proposta inicial da Câmara que deixaram o currículo de matemática dos meninos mais longo e complexo que o das meninas.
No Senado, o único a defender publicamente que as meninas tivessem em matemática um currículo idêntico ao dos meninos foi o Marquês de Santo Amaro (RJ). Ele argumentou:
“Não me parece conforme as luzes do tempo em que vivemos deixarmos de facilitar às brasileiras a aquisição desses conhecimentos [mais aprofundados de matemática]. A oposição que se manifesta não pode nascer senão do arraigado e péssimo costume em que estavam os antigos, os quais nem queriam que suas filhas aprendessem a ler. Em todas as nações cultas se dá às meninas essa instrução e parece-me que devemos adotar essa mesma prática”.
Encerrados os debates, a lei foi aprovada estabelecendo um currículo menor para as meninas. A unificação dos conteúdos de garotos e garotas ocorreria somente três décadas mais tarde, em 1854.
Fonte: Agência Senado