Mulher vítima de trabalho análogo à escravidão é resgatada com os dois filhos
Cozinheira perdeu o emprego devido à pandemia e acabou aceitando uma proposta que foi considerada de trabalho análogo à escravidão em uma fazenda no Pará
Por: Mariana Lima
Uma mulher e seus dois filhos estavam vivendo sem água, banheiro ou cama em um barraco de lona cercado de mato, sem qualquer proteção contra cobras e animais selvagens.
Quando chovia, o chão de terra era alagado pelo córrego que passava logo atrás. A água que eles tomavam era de uma cisterna e estava imprópria para o consumo humano.
Eram nestas condições que Gisele* (nome fictício para proteger sua identidade) estava quando foi resgata em condições consideradas análogas à escravidão, em uma fazenda em Novo Progresso, no Pará, onde trabalhava como cozinheira.
Compartilhavam desta realidade seus dois filhos, uma menina de 9 e um menino de 10 anos, que viviam há quatro meses nas mesmas condições degradantes, segundo informações da Repórter Brasil.
O menino mais velho, que brincava com um trator de plástico no barraco quando a fiscalização chegou, há três anos era destaque na escola, participando do projeto ‘Soletrando’, da Secretaria Municipal de Educação. A mãe guarda o certificado até hoje.
Ao longo de seu depoimento para auditores fiscais e procuradores do trabalho após ser regatada, ela citou o talento do filho, que chegou a participar de programas de educação e hoje está sendo retirado desta situação.
Juntamente com Gisele e os filhos, foram resgatados cinco homens que também ficavam abrigados no barraco de lona. Eles haviam sido subcontratados para fazer a cerca no local, supostamente para conter gado.
A família e outros trabalhadores do grupo ficaram no local de 13 de dezembro de 2020 a 24 de abril deste ano, quando ocorreu a operação, fruto de uma denúncia.
A ação reuniu esforços do MPT, Ministério da Economia, através da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, Defensoria Pública da União e Polícia Federal.
Aceitar a exploração para sobreviver
Gisele informou que aceitou o trabalho porque foi o único serviço que permitiu que ela levasse os filhos. Antes de ser demitida no início da pandemia, ela costumava trabalhar como diarista. Na época, a escola das crianças fechou e, com dois filhos a tiracolo, os patrões não aceitaram.
Sem família na cidade, não tinha com quem deixá-los e o pai não convive com as crianças há anos. O auxílio emergencial salvou a família por uns meses até ser suspenso e depois reduzido.
Além disso, apesar do retorno das escolas particulares ao presencial, as públicas seguem sem previsão. Conforme informou a Secretaria Municipal de Educação, as atividades escolares são entregues impressas junto com o kit alimentação ou por WhatsApp. No barraco insalubre, os filhos de Gisele mal conseguiram acessar as tarefas.
Duas semanas após o resgate, Gisele conversou com a Repórter Brasil e contou que chegou a procurar novamente o homem que foi autuado por escravizá-la porque não sabia o que fazer sem perspectivas de trabalho.
Sem trabalho e meios para alimentar a família, Gisele ainda tem gastos com remédios para tratar inflamações de garganta recorrentes e doenças que os dois filhos pegaram por conta da água suja da cisterna.
Aos trabalhadores resgatados é previsto o pagamento de seguro-desemprego por três meses. Na audiência judicial para ajustamento de conduta com o empregador, eles receberam as verbas rescisórias e ainda seriam indenizados, cada um, em R$ 10,5 mil.
Como ainda não tinha recebido tudo, Gisele relatou temer seu futuro e o das crianças sem trabalho.
Os fiscais identificaram um empregador direto, Denis Rodrigo Palhares, que foi responsabilizado pelas condições análogas à escravidão, mas ele negou que sabia das condições degradantes e das crianças no local. Nenhum dos trabalhadores tinha carteira assinada.
Fonte: Repórter Brasil