Os olhos vendados da prevenção ao suicídio no Brasil
Por Rodrigo Fonseca Martins Leite
Em 1994, Mike Emme, um adolescente Americano com 17 anos cometeu suicídio com um tiro dentro do seu Ford Mustang de cor amarela. No seu funeral, os familiares e amigos distribuíram fitas amarelas e mensagens de apoio. Essa tragédia desencadeou as iniciativas e ações relacionadas ao “Setembro Amarelo” em todo o mundo. No Brasil, ele é celebrado desde 2015.
Como o tema é extremamente sensível e delicado, qualquer menção ao suicídio é bem-vinda e configura-se um ato de humanização. Profissionais de saúde mental ganharam as mídias sociais. Palestras, eventos e ações cresceram exponencialmente nas empresas públicas e privadas e nas escolas. Temos repetido o mantra: busque ajuda! O efeito prático: as taxas de suicídio só aumentam no Brasil sem tendência de redução.
O ponto crucial é compreender a natureza do suicídio enquanto fenômeno social complexo que não pode ser explicado somente pela psiquiatria ou psicologia. Em 1897, Émile Durkheim apontou os problemas da sociedade moderna que predispõem o indivíduo ao suicídio como a perda de conexão social.
Atualmente, sabemos que fatores como pertencer ao gênero masculino, uso de álcool e outras drogas, eventos estressantes de vida como problemas financeiros, separação amorosa e, especialmente, ter tentado suicídio anteriormente são dados decisivos para estimar o risco de uma pessoa morrer por suicídio. As mulheres tentam mais suicídio do que os homens. Porém, estes últimos utilizam meios mais letais como enforcamento e armas de fogo.
Outro entendimento fundamental para qualquer estratégia consistente para prevenção do suicídio é entender a geografia e o perfil sociodemográfico. A região com a maior taxa proporcional de suicídio no Brasil é a área dos colonos endividados de descendência Alemã e Italiana que cultivam fumo nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Cito ainda, que o suicídio ceifa mais vidas proporcionalmente entre os jovens indígenas que, distantes da cultura dos pais e avós e marginalizados nas cidades e expostos à violência e abuso, desenvolvem depressão e morrem por suicídio.
Até o momento, as campanhas de prevenção do suicídio no Brasil sequer mencionaram estas realidades particulares. Sem dúvida, há outras, igualmente. O suicídio também cresce entre adolescentes e idosos. Entre migrantes, população LGBTQIA+ e pessoas em situação de rua, idem. Indo mais a fundo, fica-se sabendo que existe diferença das taxas de suicídio dentro dos estados e dos municípios Brasileiros.
Evidentemente, a ponta do iceberg do suicídio inclui a depressão e outras condições como a dependência e abuso de substâncias e os transtornos da personalidade. Entretanto, o sofrimento mental grave associado ao suicídio não decorre exclusivamente de uma pane neuroquímica inesperada. Vivemos num país desigual, heterogêneo e adverso para uma infinidade de pessoas, especialmente para aquelas que não possuem um Ford Mustang Amarelo. Suicídio é também sintoma de um Brasil em crise permanente e progressiva. A prevenção do suicídio exige o doloroso e necessário exercício de visualizar um Brasil profundo através de um microscópio multidisciplinar.
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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.
Sobre o autor: Rodrigo Fonseca Martins Leite é médico psiquiatra pelo IPq HCFMUSP, mestre em políticas públicas e serviços de saúde mental, produtor da mídia social “psiquiatra da sociedade”.