Redução da maioridade penal cria polêmica na sociedade
Um dos assuntos mais debatidos na atualidade brasileira é a redução da maioridade penal. A discussão tem grande apelo da opinião pública e, também, no Congresso Nacional, que deve gerar controvérsia entre os parlamentares até a votação dos projetos de lei apresentados.
Há uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) circulando desde 1993 que trata do assunto. A PEC 171/1993 foi proposta pelo deputado Benedito Domingos, do PP – Partido Progressista, e quer alterar o artigo 228 da Constituição Federal, mudando a inimputabilidade penal de menores de 18 para menores de 16 anos. Em linhas gerais, a inimputabilidade é a ideia que o agente não tem a capacidade de responder por seu delito, e é aplicada tanto pela menoridade como por fatores como doença mental e embriaguez. Logo, nossa Constituição diz que os menores de 18 anos não têm o entendimento e o discernimento completo do fato delituoso e de suas consequências, por ainda estarem em desenvolvimento.
Atualmente, jovens a partir de 12 anos podem sofrer sanções por seus atos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), considerado uma legislação avançada na proteção dos direitos da infância e da adolescência, prevê medidas socioeducativas e seis tipos de punição, que vão desde a advertência até a restrição de liberdade e a internação. Estes últimos itens ficam apenas para os casos mais graves, como violência contra a pessoa ou reincidência da infração. O período máximo de internação é de três anos. Ou seja, o jovem cumprirá sua pena até, no máximo, seus 21 anos de idade. E os delitos nessa fase não ficam no histórico de antecedentes criminais.
A PEC 171, após 22 anos de anexou outras 37 propostas sobre o assunto, que tramitam conjuntamente a ela. A maioria delas mantém a ideia de baixar a inimputabilidade penal de 18 para 16 anos, outras para 14 anos e até para 12 anos. Em caso de aprovação da PEC 171/1993, não necessariamente os projetos anexados serão aprovados também. Isso depende do parecer do relator, que pode julgar cada anexo e a proposta principal de maneira independente.
A Discussão maior que se apresenta é a de que a redução da maioridade penal não é constitucional. Os críticos da proposta argumentam, entre outros fatores, que reduzir a maioridade penal viola um princípio básico da nossa Constituição, que é a garantia de direitos individuais. As chamadas cláusulas pétreas não podem ser alteradas. Além disso, a Constituição e o ECA asseguram proteção integral aos menores de idade, que seria quebrado com a redução da inimputabilidade. Por isso o argumento de que reduzir a maioridade penal é inconstitucional. Já os defensores da medida acreditam que reduzir a maioridade penal não viola direitos, apenas impõe novas regras para eles.
Já os que se dizem a favor da redução argumentam que os jovens que cometem crimes graves ou hediondos têm uma pena muito menor do que os maiores de dezoito anos, e os crimes são igualmente graves. Alegam que a impunidade geraria mais violência, pois com uma pena muito menor que a dos adultos, os jovens cometeriam crimes por saberem que não serão punidos. Ou seja, haveria aí um ciclo de violência por conta das penas menores. Além disso, os jovens seriam aliciados por criminosos, especialmente os traficantes, justamente porque a lei os protege.
Os defensores da redução da maioridade alegam que os adolescentes já sabe o que está fazendo. Neste caso, um jovem entre 16 e 18 anos já tem perfeita consciência de seus atos e da ilicitude deles. Até mesmo o Estado reconhece a capacidade mental desses jovens, já que podem, por exemplo, votar.
Outro ponto que ganha força na defesa da redução da maioridade é o apoio popular. Pesquisas mostram que a medida de redução da maioridade penal tem um imenso apoio dos brasileiros. Para se ter uma ideia, uma pesquisa de 2013 da Confederação Nacional dos Transportes e do Instituto MDA trouxe a informação que quase 93% dos brasileiros eram a favor da medida e apenas 6% contra, números muito similares aos obtidos pelo Datafolha no mesmo ano, em pesquisa que entrevistou os moradores da cidade de São Paulo. Partindo do suposto que vivemos em uma sociedade democrática, não dá para ignorar uma reivindicação tão expressiva do povo.
Contrários – Os argumentos de quem é contra a PEC 171/1993 são de que aumentar a punição não diminui a violência. A experiência de outros países mostra que aumentar a punição para um crime ou uma faixa etária não combate o problema e diminui os índices de violência. O que parece ser mais efetivo para diminuir a criminalidade são medidas de cunho social.
Os Estados Unidos, quando aplicaram aos adolescentes as penas comuns, perceberam isso na prática: os adolescentes tiveram grande reincidência no crime e de forma mais violenta após passar pelo sistema prisional.
Os adolescentes já são responsabilizados. Um dos argumentos é que, na verdade, qualquer adolescente com mais de 12 anos de idade é responsabilizado por seus delitos. Só que nem sempre através da privação de liberdade, por conta de ainda estar em desenvolvimento. Somadas as possibilidades, é possível um adolescente passar até nove anos cumprindo penas (três anos de semiliberdade, três em liberdade assistida e três anos em internação).
Há ainda o argumento que o sistema prisional é extremamente problemático. Os índices de reincidência criminal das pessoas que vão presas é altíssimo, ficando na casa dos 70%, enquanto nas punições socioeducativas fica em torno dos 20%. Além disso, reduzir a maioridade penal significa trocar penas socioeducativas por prisão, colocando mais pessoas na cadeia em um país que já tem prisões superlotadas e uma das maiores populações prisionais do mundo.
É consenso internacional que, até os 18 anos, os jovens são considerados em desenvolvimento e, por isso, merecem proteção especial. Inclusive o Brasil é signatário de diversos acordos internacionais que ratificam esses direitos, como a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da ONU – Organização das Nações Unidas e a Declaração Internacional dos Direitos da Criança. Nacionalmente, temos o texto da Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A aplicação de penas socioeducativas ao invés das prisões se dá por conta disso, pelo caráter de desenvolvimento desses jovens, que é demarcado legalmente. As penas devem ser, portanto, de fins pedagógicos. Não fazer alguém sofrer pelos erros cometidos nessa fase, mas preparar para uma vida adulta livre de conflitos com a lei.
Adolescentes infratores são a exceção, e não a regra. A porcentagem de adolescentes em conflito com a lei cumprindo penas socioeducativas representava apenas 0,5% do total de adolescentes em 2011, segundo o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei. Ao contrário, os jovens nessa faixa etária parecem ser as maiores vítimas da violência, e não os seus causadores. Segundo a OMS – Organização Mundial da Saúde, o Brasil é o 4° país em número de homicídios de crianças e adolescentes (em uma análise com 92 países), com uma taxa que pode ser 150 vezes maior que a de países europeus como Espanha, Irlanda, Itália e Inglaterra. Foram 176 mil jovens mortos entre 1981 a 2010.
Raiz do problema – Os contrários a redução alegam que reduzir a maioridade penal é tratar o efeito de um fenômeno social, e não sua causa. A ideia desse argumento é mostrar que, em um país em que muitos direitos são negados às pessoas, a probabilidade do envolvimento com o crime aumenta. Entre os jovens e adultos. Logo, grande parte dos infratores têm a raiz de seu delito numa causa social que, ao invés de ser combatida em sua essência, o é em sua consequência, já que é mais fácil para o Estado prender do que educar.
Outro argumento é que um jovem de 16 anos já pode escolher seus representantes, mas não pode ser punido como um adulto é muito utilizado pelos favoráveis à redução. Quem é contra enfatiza que não se trata de ter maturidade para uma coisa e não para outra, e sim de que votar é um direito adquirido pela juventude; que um voto pode ser corrigido nas eleições seguintes caso o adolescente se arrependa e que um adolescente pode votar, mas não pode ser votado.
Em entrevista ao programa Observatório do Terceiro Setor veiculado pela Rádio Trianon, o Procurador Geral da Justiça, Dr. Márcio Fernando Elias Rosa, uma das maiores autoridades judiciárias do país, manifestou sua opinião contrária à redução da maioridade penal. “A idade não é fator de violência. Ninguém fica mais violento ou não por causa da idade.”
Ainda segundo o Procurador, “a sensação de insegurança da população não decorre de crimes praticados por adolescentes” e os argumentos em favor da proposta tentam criar um clamor “para uma resposta que não resolve o problema”.
Até mesmo a presidente do país, Dilma Rousseff se posicionou contra a PEC pela redução da maioridade, dizendo não ser essa a solução para acabar com a violência no Brasil, enfatizando que os adolescentes são mais vítimas do que algozes.
Diversos Ministros, especialmente aqueles ligados a temas de Direitos Humanos também se posicionaram contra a proposta, redigindo inclusive um documento em conjunto defendendo sua posição. Cada dia mais surgem documentos de entidades sociais que se manifestam contrários a PEC, redigindo documentos e divulgando-os à sociedade com as justificativas de serem contra.