Trabalho escravo no Brasil: como identificar e combater?
Para entender como identificar e combater condições análogas à escravidão no Brasil, conversamos com Marina Ferro, membro do Conselho Deliberativo do InPacto, organização que atua no combate ao trabalho escravo
Por Ana Clara Godoi
A escravidão foi abolida no Brasil 1888, através do decreto da Lei Áurea – no entanto, o trabalho escravo ainda é uma realidade de muitos brasileiros. No início de 2023, o país atingiu a marca de mais de 60 mil trabalhadores resgatados de condições análogas às de escravo desde a criação do Grupo Móvel de Fiscalização, base do sistema de combate à escravidão no país.
De acordo com o Código Penal brasileiro, é crime reduzir alguém a condição análoga à de escravo, submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho ou restringindo sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregado. A pena é de reclusão de dois a oito anos e multa, além de pena correspondente à violência.
Trabalho escravo contemporâneo no Brasil
A Polícia Rodoviária Federal resgatou mais de 200 pessoas em situação análoga de escravidão em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, na última semana. Os trabalhadores relataram enfrentar atrasos nos pagamentos dos salários, violência física, longas jornadas de trabalho e oferta de alimentos estragados, além de serem coagidos a permanecer no local sob pena de multa por quebra de contrato de trabalho.
Na mesma semana, o vereador Sandro Fantinel (Patriota), de Caxias do Sul (RS), fez comentários xenofóbicos ao pedir que os produtores da região “não contratem mais aquela gente lá de cima”, se referindo a trabalhadores vindos da Bahia, que formavam a maioria dos trabalhadores em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves. Fantinel sugeriu que empresários dessem preferência a trabalhadores vindos da Argentina, que, segundo ele, seriam “limpos, trabalhadores e corretos”.
Em entrevista ao Observatório do Terceiro Setor, a membro do Conselho Deliberativo do InPacto, Marina Ferro, explica que não é apenas a ausência de liberdade que faz um trabalhador escravo, mas sim de dignidade. “Todo ser humano nasce igual em direitos e dignidade. E, portanto, nascemos todos com os mesmos direitos fundamentais que, quando violados, nos arrancam dessa condição e nos transformam em coisas, instrumentos descartáveis de trabalho. Quando um trabalhador mantém sua liberdade, mas é excluído de condições mínimas de dignidade, temos também caracterizado trabalho escravo”.
Marina destaca que as desigualdades sociais são fatores contribuintes para condições análogas de escravidão. “A pobreza e a miséria deixam as pessoas mais vulneráveis a aceitarem oportunidades de emprego em condições precárias. A terceirização também é uma forma de produção que muitas vezes pode abrir portas para a precarização do trabalho, uma vez que os mesmos direitos trabalhistas nem sempre são garantidos nesse processo. Nesse sentido, reduzir as desigualdades e gerar oportunidades dignas e saudáveis é uma das formas de diminuir as ocorrências de trabalho escravo”.
O InPacto é uma organização da sociedade civil que atua na promoção, prevenção e erradicação do trabalho escravo no Brasil. Além de monitorar anualmente as empresas associadas para identificar dificuldades, mensurar progressos e elaborar planos de ação, o InPacto também trabalha por meio de estratégias setoriais que envolvem sensibilização e articulação dos atores envolvidos por meio de atividades formativas, grupos de trabalho, pesquisas e ações de comunicação, realizadas nas cadeias da moda, cacau, café, carnaúba e pecuária.
O combate ao trabalho escravo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU, com ênfase no ODS 8, que diz respeito ao Trabalho Decente e Crescimento Econômico, e no ODS 12, que promove Consumo e Produção Responsáveis.