A economia circular ou a reinvenção da roda
Por Milton Flavio
Foi-se o tempo em que podíamos nos orgulhar dos equipamentos que duravam a vida toda. A história de que este relógio ou esta caneta que estou usando pertenceu a meu pai ou foi usada pelo meu avô de há muito saiu dos nossos vocabulários.
Como na alta costura, o pret-à-porter passou a fazer parte dos nossos dias, e hoje compramos as nossas canetas e relógios de duração efêmera mais preocupados com o efeito visual e combinação com a roupa que usamos do que com a suavidade da sua escrita ou pontualidade na marcação das horas. Precisam durar apenas o tempo do evento para o qual foram pensados.
Roupas da estação viraram roupa para a ocasião e quem pode insiste em não repetir seu uso mais de uma vez. Exceção elogiável à regra, a rainha da Inglaterra, que às vezes ousa repetir um dos seus famosos e vistosos chapéus.
O conceito básico da economia linear do usar enquanto durar e depois descartar não se sustenta num mundo com recursos naturais finitos e as ameaças de alterações climáticas cada vez mais presentes. Ousaria acrescentar um fator, nem sempre considerado pelos especialistas, que é a evolução ou revolução tecnológica num período em que chegamos à inteligência artificial. Mesmo que duráveis, os bens tornam-se antiquados e obsoletos antes do fim da vida útil dos materiais com que foram produzidos.
Destarte, a economia circular, como a roda, passou a ser um instrumento básico e propulsor neste novo momento e desafio para o setor produtivo.
É inquestionável e indiscutível a necessidade de sua adoção, e mesmo os consumidores, cada vez mais atentos e por valorizarem a sustentabilidade, cobram das empresas essa visão.
Mesmo aqueles que nos seus efeitos ou aplicação reduzem a emissão de carbono precisam superar dificuldades na sua produção e resolver problemas cruciais no seu descarte. Exemplos simples do que falamos são o processo de produção de placas fotovoltaicas que usam gás natural na fabricação de muitos dos seus componentes e o descarte das fibras óticas usadas nos meios de comunicação.
Em outras situações, embora usando materiais descartáveis ou reutilizáveis como no caso do plástico das embalagens, pela inação ou ação criminosa de muitos e descaso das autoridades e órgãos encarregados da fiscalização, o que deveria ser uma solução sustentável resulta na degradação de ecossistemas, morte de peixes, animais e a poluição dos rios e oceanos.
Como vemos, há muito a ser feito. Como depois da invenção da roda, os tempos exigem que façamos mais e aperfeiçoemos sempre o sistema produtivo e a educação da sociedade.
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Sobre o autor: Milton Flavio é professor aposentado da Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP, ex-subsecretário de Energias Renováveis do Estado de São Paulo, e hoje é Assessor da Presidência da FAPESP.