Movimentos sociais discutem necessidade de se aproximarem
Debate em São Paulo falou dos avanços e desafios do Terceiro Setor em um contexto de crise econômica, política e de valores
O Brasil enfrenta um momento de crise, não só econômica e política, mas também de valores. Ao menos esta é a visão de muitos representantes de organizações e movimentos sociais. O avanço de pautas conservadoras no Congresso, os frequentes casos de violência contra negros, mulheres e membros da comunidade LGBT, e os discursos de ódio que se espalham pelas redes sociais são alguns dos pontos que contribuem para este ponto de vista.
Com o objetivo de discutir os desafios do momento e de elaborar propostas para que as causas sociais voltem a avançar, organizações e movimentos reuniram-se na última terça-feira (15), na Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). O evento foi organizado pela Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) e pelo jornal Le Monde Diplomatique Brasil.
“O que nós estamos vendo é, muitas vezes, uma briga partidária, que ameaça uma série de direitos e valores que a sociedade civil organizada construiu desde a luta contra a ditadura; valores para uma sociedade mais justa e solidária”, destacou Vera Masagão, presidente da Abong.
Para ela, é fundamental discutir a corrupção nos órgãos públicos, como tem sido feito nas ruas e nos meios de comunicação, mas não se podem perder de vista outras questões igualmente importantes, como a solidariedade, a redistribuição da renda e até a própria democracia.
“Este é o momento de nos unirmos e resistirmos ao desmonte dos valores e políticas públicas que nós estamos tentando construir há décadas”, aponta Vera.
A força da sociedade civil
Apesar do momento delicado que o Brasil enfrenta, representantes de organizações e movimentos presentes no seminário destacaram a força da sociedade civil organizada do país. “Existem pelo menos centenas de milhares de brasileiros como nós, que acreditam na igualdade e no esforço para o avanço social”, disse Silvio Caccia Bava, do Le Monde Diplomatique Brasil, durante a primeira mesa do dia.
Caccia Bava também ressaltou que houve avanços nestes primeiros anos do século 21 e que toda mudança requer um processo, muitas vezes crítico. “Daqui a 30 ou 50 anos, talvez tenhamos uma sociedade muito diferente.”
Feminismo
Um dos grupos representados no seminário foi o das feministas, com a presença de Nalú Faria, da Marcha Mundial das Mulheres, na primeira mesa. Nalú falou sobre questões como a estrutura patriarcal da nossa sociedade, a lógica capitalista – construída por homens –, e sobre como as mulheres são, historicamente, mais propensas a defender o bem comum.
Nilza Iraci, do Geledés, falou da Marcha das Mulheres Negras, que levou milhares de ativistas a Brasília, em novembro do ano passado. De acordo com Nilza, a marcha foi uma manifestação contra o sexismo, o racismo e a transfobia, e conseguiu algo raro: atraiu grupos que quase sempre ficam de fora desse tipo de movimento, como o das prostitutas.
Outra que abordou o tema foi Cristiane Faustino, do Instituto Terramar, que destacou em seu discurso a importância de os diferentes movimentos sociais apoiarem a causa. “As questões racial e de gênero não são o de menos, não são questões menores”, disse. A reivindicação dela, aliás, foi citada por outras ativistas ao longo dos debates.
Movimentos jovens
O seminário também trouxe reflexões sobre o maior engajamento dos jovens em questões políticas, partindo das manifestações iniciadas pelo Movimento Passe Livre (MPL) em junho de 2013.
“Não digo que das centenas de milhares de pessoas que saíram às ruas em Junho de 2013 todas sabiam o que estava acontecendo, mas acho que, a partir de Junho, é inegável que a sociedade como um todo se politizou, e muito”, afirmou Gabriel de Araújo Silva, do MPL.
Para ele e o companheiro de movimento, Vitor Quintiliano, aquelas manifestações contra o aumento da passagem serviram para mostrar à população brasileira que é possível se organizar e protestar pelos seus direitos de uma forma não burocrática, sem depender de partidos políticos ou sindicatos.
“A partir de Junho, a sociedade como um todo se politizou, e muito. Inclusive, a crise política vem, em partes da politização dessa sociedade. Aumentaram as greves e as manifestações, e os movimentos sociais como o feminista e o negro cresceram. De Junho para cá, o terreno se tornou mais fértil”, opinou Silva.
Redes de ajuda mútua
Uma das principais propostas apresentadas ao final dos debates do dia foi a de criação de redes de organizações e movimentos que defendam as mesmas causas. Assim, seria possível não só fazer uma captação de recursos em conjunto – o que ajudaria especialmente as organizações menores e menos conhecidas –, mas também compartilhar experiências e ferramentas, fortalecendo a todos.