A vida pós cárcere: os desafios da reintegração na sociedade
Conheça as histórias de Itamar Xavier de Camargo, que se tornou professor, e Péricles Gomes Ribeiro, que fundou uma loja para presidiários
Por: Isabela Alves
O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, só perdendo para os Estados Unidos e a China. Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), o total de pessoas encarceradas no Brasil chegou a 726.712 em junho de 2016.
Isso significa que a lotação dos presídios atingiu 197%, ou seja, uma superlotação de praticamente dois reclusos por vaga. Outro dado que chama a atenção é que 64% da população prisional no país é composta por pessoas negras. O levantamento aponta, ainda, que mais da metade das pessoas presas têm entre 18 e 29 anos.
Sérgio Salomão Shecaira, professor da Faculdade de Direito da USP e coordenador do Grupo de Diálogo Universidade, Comunidade e Cárcere (GDUCC), explica alguns dos motivos para que grande parte da população carcerária seja negra, jovem e periférica.
“A desigualdade social é perversa e entre os motivos para a criminalidade ser tão grande no Brasil estão fatores como a falta de oportunidade de educação, cultura, saneamento básico e moradia. Tal processo de exclusão se coroa posteriormente com o cárcere”, relata.
Ainda, a situação da maioria dos presídios é marcada pela falta de infraestrutura e higiene, os maus-tratos, a atuação do crime organizado, motins e assassinatos. Para o especialista, essa realidade só faz com que o egresso volte para a sociedade pior do que entrou no sistema carcerário.
“O cárcere apresenta péssimas condições e faz de tudo para não reeducar as pessoas. Para se recuperar dele, é necessário muito suporte como o apoio familiar e uma nova oportunidade. Sem emprego, sem formação e sem fazer com que essa pessoa se sinta capaz, ela pode voltar a cometer os mesmos erros”, conclui.
A educação como ferramenta de transformação social
Nascido em São Paulo, Itamar Xavier de Camargo, 39 anos, não teve uma infância fácil. O menino foi criado pelos pais biológicos até os seis anos de idade. Depois disso, os pais se tornaram pessoas em situação de rua e ele foi morar com um casal de tios.
A partir de então, o menino passou a viver em um ambiente marcado pela violência. O tio agredia a esposa com frequência, e ela reproduzia no sobrinho essa violência.
Itamar morou no Jardim Rubilene, na zona sul da capital paulista, até os 13 anos de idade e depois se mudou para Parelheiros, também na zona sul. Foi nessa fase da vida que começou a se envolver com as drogas e a criminalidade.
“Eu acredito que a nossa identidade humana é construída através das nossas relações e acredito que a forma que fui tratado pelos meus responsáveis foi um dos fatores que podem ter me levado ao envolvimento com a criminalidade. Não estou justificando o que fiz, mas esse foi um dos fatores que me levaram a fazer a escolha errada”, diz.
Itamar foi preso aos 16, 18 e 22 anos. Em todas as ocasiões, o crime foi assalto à mão armada. Por conta da vida no crime, ele parou os estudos cedo, no 6° ano do Ensino Fundamental, e só voltou a estudar aos 28 anos de idade, dois anos depois que saiu da prisão pela terceira vez.
“A transformação na vida de um indivíduo é um processo e esse processo é constante. A partir do momento que eu passei a me dedicar aos estudos, eu percebi que as leituras que eu fiz ajudaram na construção de um novo pensamento, um novo olhar. Eu posso dizer que enxerguei uma nova forma de viver, além daquela que eu estava inserido”.
Em 2011, enquanto cursava pedagogia na universidade, uma professora o incentivou a criar um projeto para ajudar crianças e jovens em situação de vulnerabilidade em Presidente Prudente, no interior de São Paulo, região em que mora atualmente.
Itamar percebeu que não teve acesso a livros quando mais jovem e que esse tipo de acesso poderia ter mudado sua vida. Reconhecendo o poder da educação, achou necessário fazer algo que permitisse que pessoas em contextos semelhantes ao dele tivessem um destino diferente.
A princípio, ele arrecadou cinco livros em uma campanha na universidade e as obras foram para a biblioteca da Associação Betesda. Depois disso, ele passou a montar pontos de leitura em Unidades Básicas de Saúde (UBS).
Atualmente, além de atuar como professor, Itamar realiza projetos de arte dentro das escolas. Fora delas, promove palestras motivacionais dentro do sistema carcerário. Através da sua fala, os prisioneiros conseguem compreender que a mudança é possível e que, para que isso ocorra, é preciso paciência e alguém que lhes estenda a mão.
“A importância de se preocupar com as questões do sistema carcerário se dá pelo fato de que logo que o cara cumpre a pena, vai estar de volta no convívio com a sociedade, e vai ser muito bom para toda a sociedade que ele seja reinserido como uma pessoa melhor. É importante que a gente se preocupe para que esse sistema tenha um caráter educativo e não apenas punitivo, que de fato esse tempo de prisão possa causar uma transformação na vida dessa pessoa”, conclui.
A importância dos direitos humanos
Péricles Gomes Ribeiro, 39 anos, atualmente é empresário. Em sua vida, ele já trabalhou como motorista e vendedor. Acabou se envolvendo com o contrabando de cigarros e o tráfico de drogas pelo período de oito meses e foi preso entre julho de 2016 e outubro do mesmo ano.
Depois disso, passou dois anos desempregado e sentiu o preconceito na pele, já que ninguém lhe ofereceu uma oportunidade na época da sua ressocialização. Um dia, em uma conversa com a sua cunhada, teve a ideia de criar ‘A Loja do Preso’.
A cunhada reclamava que não conseguia encontrar os itens para seu filho que estava preso e, segundo ela, “bem que podia ter um local para resolver tudo isso”. O estabelecimento, localizado no bairro de Barro Preto, Belo Horizonte (MG), contém diversos utensílios como cobertor, agasalhos, produtos de higiene, peças íntimas e até alimentos.
“É uma hipocrisia falar que o preso custa um gasto alto para o Estado, porque a família que tem que levar os itens para o preso. Além disso, os itens são específicos em cada cadeia. Existe uma grande burocracia e exigências que não precisavam ter, que acabam gerando um conflito entre o sistema carcerário e a família que está do lado de fora”, conta.
Péricles descreve a experiência do sistema carcerário como desumana. Ele acordava entre 30 homens e os mesmos só falavam de crime a maior parte do tempo. Além disso, seus direitos humanos foram violados, já que teve que comer comida azeda, tomar banhos frios e acordar, por muitas vezes, com ratos e escorpiões dentro da cela.
Apesar dessa situação degradante, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Pulso Brasil para a BBC, dois em cada três brasileiros acham que ‘direitos humanos defendem mais os bandidos’, quando na realidade, os direitos humanos são voltados para todos. Além disso, quando se fala em direitos humanos para a população acusada por crimes, tudo que se defende é que essas pessoas sejam tratadas de forma digna e justa, para que paguem por seus crimes e retornem à sociedade melhores.
“Se não fosse pelos direitos humanos, quem daria voz para as pessoas do sistema prisional? O Estado não tem perspectiva para ajudar. Não estou pedindo um hotel cinco estrelas. Estou falando sobre dignidade”.
Para Péricles, a sociedade tem uma parcela de culpa sobre a situação do sistema carcerário, já que dificilmente oferece uma nova chance de reintegração.
Por conta disso, ele tem o sonho de abrir uma ONG chamada ‘Segunda Chance’, com o objetivo de oferecer oportunidades de emprego para ajudar os egressos do sistema penal. No momento, o empresário está procurando apoio de grandes empresas para tirar a ideia do papel.
“A partir do momento que uma pessoa sabe que vai estudar, trabalhar, e quando chegar em casa vai ter uma janta para comer, vai ter uma vida melhor e a desigualdade vai diminuir, tudo muda. E a sociedade como um todo melhora”, conclui.
Maria Stael Saraiva Bittencourt
11/01/2019 @ 16:06
Acredito que a melhor maneira de preservar a dignidade do homem seja lhe dando a oportunidade de ter um trabalhi digno, uma educaçao de valores essenciais para formar seu caráter e reconhecer na educaçao o meio para alcançar os fins desejados por todos.
Cardoso
16/01/2019 @ 20:43
Realmente falta meio para readequar esse pessoal a sociedade. isso é imprescindível pois todo mundo merece uma segunda chance e a oportunidade de ser uma pessoa melhor.
Maria Letícia Vieira Trindade
25/01/2019 @ 02:02
É preciso pensar o problema em toda sua complexidade. Começando da falta de cuidado do município ou estado que esteja à cargo da instituição prisional e ignora as condições mais básicas de um ambiente digno de ser habitado pelos detentos, à familia que nao nenhum tipo de apoio ou de instrução para dar conta de fazer a sua parte. O descaso não vem só dos funcionários da polícia que desenvolvem sua rotina de trabalho nos ambientes prisionais. Os (As) assistentes socisis que deveriam atender, explicar e orientar as famílias das pessoas com liberdadd restringida são tratadas de modo absolutamente desrespeitoso. Ne pergunto a razão disso. Afinal, o que fizeram essas pessoas a serem humilhadas, maltratadas, execradas, quando nada de mal nem fora das regras e/ ou da lei fizeram? Basta estar ligada(o) a uma pessoa suspeita (atenção que, aqui, há um enorme abismo entre uma suspeição e uma certeza de um crime praticado. Muitas vezes estas pessoas estão injustamente detidas, com prazos vencidos, com julgamento resolvido e não vão a julgamento para que se resolva seu destino, ou com inocência provada e só aguardando a boa e lenta vontade do sistema de dar a ele seu direito de liberdade, ou sem uma resolução de remanejo para o presídio para cumprir pena. Mas a coisa não para por aí. O tratamento dentro fo sistema prisional é de uma crueldade que nem nos sonhos mais sombrios você pode imaginar. Os detalhes são tantos que o comentário aqui não possui o fôlego necessario para descrever. Além de todas as dificuldaes que o detento passa, as famílias, ah! As famílias, estas ficam totalmente ao Deus dará. Sem ou com recursos, elas nãotem acesso a NENHUMA informação. O NAF – Núcleo de Assistência Familiar, que deveria dar este apoio, simplesmente ignora a família, e se puder colocar obstáculos, não tem nenhuma duvida de o fazer. Os proprietários da Loja do Preso são as únicas pessoas que encontramos para nos oferecer uma luz de esperança e uma atenção humana e digna para informar sobre todas as regras e normas de cada Centro de Remanejamento e de cads presídio. Não se iluda com as coisas que aprendeu sobre o lugar onde a pessoa sua, amada, (sim, amada, porque mãe não abandona, pai não abandona, esposa ou esposo não abandona, filhos nao abandonam) está, porque sem não mais o diretor ou novo diretor muda as regras do jogo na hora que lhe der na telha. Coisas pernitidas passam a ser proibidas, coisas proibidas passam a ser permitidas, calendários de visita são alterados sem aviso prévio, pessoas chegam a ir em vão e nao conseguem ver os seus porque uma pessoa se acha o tofo poderoso. E o mais espantoso, ele É! As coisas dentro de um presídio, uma penitenciária, um centro de remanejamento só podem ser classificadas por quem tem honra, empatia, humanidade e respeito dentro de si, um lugar hostil ao espirito de qualquer pessoa, uma experiência tão triste e opressora que você pensa que não conseguirá resistir. Uma angústia desoladora que parece despedaçar seu coração com um aparelho esmagador. Todos, todos nós estamos sujeitos a ter uma pessoa que amamos nesta situação um dia. NINGUÉM é anjo e um dia, quando menos se espera, batem à sua porta e levam seu ser amado. Pense antes de julgar que as pessoas nasceram para isso. Cada história tem sua estória. Trate de alimentar o que há de bom e de humano dentro de você e não odeie simplesmente por odiar quem você não conhece. Muitas vezes você está execrando alguém que nao teve alternativa e, com toda certeza, está aprovando uma pura maldade por maldade sobre as famílias. Examine sua consciência e veja de onde vem este ódio, ele está corroendo a sua alma. Uma ultima coisa tenho a dizer: nós estamos aqui, neste planeta, vivendo esta vida ins pelos outros: eu nao sou nafa sem você, você sem mim também não tem propósito de existir. Sejamos mais humanos, mais amorosos, mais dignos, como Jesus veio nos ensinar… que Deus ilumine todos os corações deste mindo para afastar as trevas que estão nos envolvendo. Seja feliz e você fará muita gente ao seu redor feliz e, por favor, não se deixe pegar julgando o Outro, ele não é seu problema, se não puder/quiser ajudar, dê im passo atrás e siga sei caminho…
Maria Letícia Vieira Trindade
28/01/2019 @ 21:24
Temos uma constituição que reza nossos deveres e nossos direitos. Os deveres não podemos, sem consequências, deixar de cumprir, mas nossos direitos… ah! Esses direitos estão cada vez mais esquecidos, sucateados e postos de lado enquanto grassa contra o nosso povo enxurradas de absurdos, desrespeito e violações. Se para o cidadão “normal” é assim, imagine aquele (sem entrar por ora no crédito do mal-feito) que se encontra em unidades prisionais e centros de remanejamento. Não se trata de lançar mão do argumento “fez mal tem que sofrer” (não creio que ninguém tenha o legítimo direito de fazer ninguém sofrer). O problema é extenso, complexo, doloroso e trabslhoso de se pensar. Há que se ter inteligência suficiente para observar problema tão grave de todos os seus angulos e sob seus infindáveis aspectos. Não é qualquer pessoa que pode ou saiba colocar o problema entre aspas, afastar todos os preconceitos e estranhar (neste caso, estranhar seria ver como se estivesse vendo pela primeira vez) a questão. Direitos humanos são direitos para todo ser humano, independente do que haja se passado os direitos humanos são inalienáveis. Estar disposto a pensar a respeito é estar disposto a abrir mão de todos os conceitos, preconceitos, pretextos, contextos e textos. Só e tão somente depois de examinar tudo o que envolve uma situação é que temos possibilidade de, então, pensar sobre e emitir uma opinião sobre se direitos humanos é só para alguns casos ou se é universal. Com uma vida vivida num mundo que dá voltas e voltas, é preciso ter em mente, com clareza o que significa direitos humanos e se eles devem e/ou podem ser retirados de outrem. Não nos esqueçamos que somos falhos e, mais importante, não somos nós, cidadãos comuns, sem dados, sem estudo, sem entendimento ou conhecimento algum da matéria que temos o dever de bater o martelo a condenar outros seres de direito, esta tarefa compete a quem escolher julgar como modo de vida. Mas o mais grave não é a leviandade com que a sociedade trata de assunto tão vital. O mais grave é que funcionários que estão a cargo de pessoas condenadas ou na espera de seu julgamento (portanto ainda sem, legalmente, estar em situação de sofrimento, solidão e miséria, sem falar de abusos e ameaças e outras coisas que tais) não se prestarem a fazer o trabalho que lhes compete: zelar por aqueles que estão sob sua custódia. Qualquer pessoa tem direito a ter acesso a informações vitais para que o processo ocorra de modo justo e que a dignidade das pessoas estarem a salvo. Alguém que venha a dever o que quer que seja, a quem quer que seja deve ter preservadas suas dignidades. A assistência à familia é obrigatoria, pois que estas pessoas nada têm a ver e não devem ser punidas com os descasos, a ignorância, o desrespeito e a falta de atenção e comunicação do que devem fazer, como fazer, quando fazer. O sistema peca ao não obedecer a uma regra geral que daria a todos a garantia de informações corretas e incorruptíveis. A prática de dar a cada diretor a prerrogativa de ditar as regras e poder muda–las a seu bel prazer é, além de irresponsável, também ridícula e desumana. O não oferecer a detentos de qualquer tipo uma formação técnica, académica ou de ofício e exigir e julgar, em caso de reincidência às raias de uma piada de muito mau gosto. Infelizmente a sociedade brasileira não se importa, não quer e, pior, não tem competência intelectual e conceitual para emitir qualquer opinião porque, e issi é certo, não foi educada para pensar por si, mas para reproduzir tudo o que lhe é entregue com discurso pronto. Me envergonho muitas vezes de ser brasileira e vender esta máscara de povo bom e acolhedor. Não me intetessa ser boa nem acolhedora para povo aue nao é meu. Quero meu povo sadio, respeitado, educado e pensante por si mesmo. Portanto, MAIS ESCOLAS, MAIS FILOSOFIA, MAIS LEITURA, MAIS CONHECIMENTO, MAIS SENSO CRÍTICO E ACIMA DE TUDO, MAIS E MUITO MAIS HUMANIDADE E HUMILDADE.