Tibira: indígena brasileiro pode ter sido a primeira vítima da homofobia
A execução do indígena tupinambá Tibira do Maranhão, em 1614, foi o primeiro caso documentado de morte por homofobia no Brasil
Por: Mariana Lima
Em 1614, um indígena tupinambá foi executado, com a permissão de religiosos da Igreja Católica em missão no Brasil, por conta de sua orientação sexual.
Conhecido, de acordo com os registros, como Tibira do Maranhão, seu caso é o primeiro registro de morte por homofobia em solo brasileiro. Vale ressaltar que “tibira” é um termo utilizado por indígenas para se referir a um homossexual.
Ativistas da causa LGBT+ querem que o personagem seja reconhecido como mártir e vêm fazendo campanha para divulgar a história.
A história de Tibira do Maranhão foi resgatada pelo sociólogo e antropólogo Luiz Mott, professor da Universidade Federal da Bahia e fundador da ONG Grupo Gay da Bahia.
Há seis anos, ele publicou um livreto chamado ‘São Tibira do Maranhão – Índio Gay Mártir’, com o relato da execução do personagem histórico e uma contextualização do caso.
Mott vem atuando para dar mais visibilidade ao episódio e ganhou apoio de um religioso de uma denominação cristã independente, o arcebispo primaz da Santa Igreja Celta do Brasil, que diz reconhecer o martírio e a santidade do indígena.
Em 2021, Mott pretende encaminhar à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) um pedido para que a Igreja Católica “peça publicamente perdão” pela execução de Tibira e instaure o início de um processo de canonização.
Mott defende que Tibira seja reconhecido como “o primeiro mártir da homofobia no Brasil” e busca revestir sua história de simbolismo, em alusão aos crimes de homofobia atuais.
O responsável pela condenação de Tibira foi o religioso e entomólogo francês Yves d’Évreux (1577 – 1632), frade capuchinho que integrou expedição francesa ao Brasil Colônia.
No caso, a documentação detalhada é o relato do próprio religioso, publicada no livro ‘Histórias das Coisas Mais Memoráveis Acontecidas no Maranhão nos Anos de 1613 – 1614’.
Na obra, D’Évreux apontou que apesar de Tibira parecer um homem por fora, também era “hermafrodita” e tinha “voz de mulher”, o que justificava, na visão dos colonizadores, sua conversão e punição motivada por medo e também pecado de sodomia contra Deus.
Tibira foi levado a um canhão instalado na muralha do forte São Luís. Ele foi amarrado pela cintura à boca da arma. Quando lançaram fogo, “em presença de todos os principais, dos selvagens e dos franceses (…), imediatamente a bala dividiu o corpo em duas porções, caindo uma ao pé da muralha, e outra no mar, onde nunca mais foi encontrada”, registrou D’Évreux.
Mott ressalta que outros relatos da época corroboram a ideia de como os europeus se chocaram com a “diversidade sexual e lascívia exacerbada dos ameríndios”.
Desta forma, quando os capuchinhos franceses chegaram ao Brasil já estava consolidada essa imagem de que era preciso “purificar a terra de suas maldades”.
Após serem catequizados pelos religiosos, os próprios indígenas se tornaram aliados nesta missão. Até então, além dos tupinambás, outras tribos, como nambiquaras, guaicurus, tikunas, bororos e xambioás também aceitavam, de maneira natural, a homossexualidade.
Na obra de D’Évreux, há o relato de que Tibira foi batizado antes de sua execução. Era uma forma de “salvar sua alma, apesar de sua má vida passada”.
Há muito simbolismo neste ato. No batismo cristão, Tibira foi chamado de Dimas, em referência a São Dimas, considerado o “bom ladrão”, crucificado ao lado de Cristo e que, ao se arrepender de seu erros, recebeu a promessa de que iria para o Paraíso.
Para o Grupo Gay da Bahia, este fato seria o principal argumento que permitiria qualificá-lo como santo mártir: assim como o “bom ladrão” foi posteriormente reconhecido como santo, o mesmo deveria ocorrer com o indígena brasileiro.
O arcebispo primaz da Santa Igreja Celta do Brasil, o historiador Sérgio Muricy – cujo nome religioso é dom Bernardo da Ressurreição -, é o primeiro religioso a reconhecer a santidade de Tibira.
Fontes:
VEIGA, Edison. O índio executado a tiro de canhão tido como ‘primeiro mártir da homofobia no Brasil’. Publicado em 28 de dezembro de 2020 pela BBC News Brasil.
TESTONI, Marcelo. Primeira vítima de homofobia registrada no Brasil foi índio morto em 1614. Publicado em 1 de abril de 2019 no portal Universa do UOL.