1 mulher é assassinada a cada 2 horas no Brasil
Ao todo, 4.657 mulheres foram mortas apenas em 2016; 533 casos foram classificados como feminicídios
Por: Isabela Alves
Em 2016, uma mulher foi assassinada a cada duas horas, no Brasil, segundo levantamento feito pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Ao todo, 4.657 mulheres foram mortas no país. 533 casos foram classificados como feminicídios (quando o assassinato ocorre em um contexto discriminatório, em que a mulher se torna vítima pelo fato de ser mulher).
No terceiro capítulo da série do Observatório do Terceiro Setor sobre violência contra a mulher, vamos contar a história de Vanda Maria de Carvalho, uma vítima do feminicídio. Vanda, assim como tantas outras mulheres vítimas desse tipo de crime, teve sua morte anunciada. Sofreu durante anos todo tipo de violência doméstica dentro de casa. Fez queixas e mais queixas à polícia. E se sentiu completamente abandonada pelo Estado, pois seu agressor sempre voltava e sempre ameaçava a ela e sua família. O relacionamento era reatado, não por amor, mas por medo. E ela foi taxada como “mulher de malandro”. O final foi trágico e hoje sua filha luta por justiça.
Conheça a história completa.
“Foram anos de bastante terror. Minha mãe ficava com medo das ameaças e voltava para ele”
Há cinco anos, Vanda Maria de Carvalho Santos conheceu Wesley Meireles de Castro por meio de amigos em comum. No início do relacionamento, ele se mostrava amável e cuidadoso, mas seu comportamento mudou a partir do momento em que começaram a viver juntos, em Santos Dumont, na Zona da Mata Mineira.
“Eu não tive muito contato com ele, porque fui morar em outra cidade para trabalhar. Quando eu vinha aos finais de semana, sempre tinha briga entre eles, mas minha mãe não contava. Em uma dessas brigas, ele bateu nela com arame farpado”, relata Rayla Maria Carvalho dos Santos, filha da vítima.
A partir da primeira grave agressão, que ocorreu em meados de agosto de 2014, Vanda procurou a polícia. Wesley foi enquadrado na Lei Maria da Penha e ficou preso durante quatro meses. Depois que foi solto, ele voltou para ameaçar Vanda e sua família. Ao todo, mais de sete medidas protetivas foram solicitadas, mas nenhuma foi eficaz.
“Ele chegou a invadir a casa da minha avó, ameaçou ela com uma faca, ameaçou cortar meu dedo… Foram anos de bastante terror, e minha mãe ficava com medo das ameaças e de acontecer alguma coisa com a família, e ela voltava para ele”, conta Rayla.
Por conta das graves ameaças, o agressor sempre conseguia que a vítima voltasse para ele. No entanto, a violência que Vanda sofria era tão absurda que ela não aguentava permanecer com ele por mais de 20 dias seguidos. A violência se repetia e cada vez era mais intensa. No fim, ela sempre acabava fugindo de casa muito machucada.
A polícia interviu em alguns momentos, com o passar do tempo, por ela voltar com o agressor, foi taxada como “mulher de malandro”. Com o passar do tempo, ela foi se sentindo cada vez mais desamparada pela justiça e acabou perdendo a confiança na instituição.
“De madrugada, na época do frio, ele a amarrava e a deixava debaixo do chuveiro com água gelada, entre outras torturas. Ele deve ter mais de 32 passagens [pela polícia]. Não tenho noção nem de quantas vezes ele já foi preso”, conta Rayla.
No dia 9 de setembro de 2017, Vanda sofreu graves ferimentos após ser agredida em casa. Mesmo depois que estava desacordada, seu então companheiro jogou um balde de areia no seu rosto. Depois, ele arrastou seu corpo até um barranco, localizado atrás da sua casa, e o jogou na cisterna. Uma testemunha anônima tirou fotos e as entregou à polícia.
Após cometer o crime, Wesley acionou uma unidade do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), alegando que ela teria ingerido medicamentos controlados, associados a bebida alcoólica. Com essa história, ele tentou simular que Vanda teria cometido suicídio, mas sua filha não se convenceu com a história.
“Cheguei no hospital e ele [agressor] estava na porta. Falou que minha mãe tinha tomado álcool com Diazepam. Aí um enfermeiro já falou comigo e disse que ela tinha sinais de agressão. Quando ele falou que ela tinha sinais de agressão e estava sendo entubada, eu já acionei a polícia militar”, conta Rayla. Vanda morreu no hospital. Ela tinha 45 anos.
No dia da agressão, a polícia acreditou na versão de Wesley e permitiu que ele deixasse o local normalmente. Só dois dias depois do crime, quando foi realizada a perícia na casa do agressor, ele foi preso.
“Quando ela faleceu, eu não tive nem tempo de chorar, tive que correr atrás de tudo, não podia deixar passar. Fui eu que consegui a prisão dele, porque a polícia militar da minha cidade se negou a dar socorro. Foram feitas 11 ligações. Como ela ia e voltava com ele, ficou aquela coisa de ‘ela é mulher de malandro’, por isso a polícia não quis se envolver”, conta a filha da vítima.
Rayla chegou a denunciar na própria Polícia Militar e em uma Comissão dos Direitos Humanos a forma negligente como a polícia local tratou o caso. Até agora, nada foi resolvido. O agressor também não foi julgado ainda, mas irá a júri popular. Para a filha da vítima, a Lei Maria da Penha falhou em todos os aspectos. “O que é, por exemplo, uma medida preventiva? É um papel que qualquer um pode rasgar. Eles esperam a pessoa morrer primeiro para depois agir”, diz.
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28/03/2018 @ 17:42
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