Reduzir velocidade de automóveis para salvar vidas é obrigação dos políticos
Os automóveis e congêneres mataram 147 pessoas durante o feriado de Ano Novo, apenas nas rodovias federais, informa Sandra Annenberg, durante edição do Jornal Nacional de 5 de janeiro de 2016. A íntegra da nota: “147 pessoas morreram e 2073 ficaram feridas em acidentes nas rodovias federais no feriado de Ano Novo. Os dados preliminares da Polícia Rodoviária Federal foram registrados de 28 de dezembro a três de janeiro. Houve um aumento de quase 15% no número de mortes em relação ao balanço do ano passado”. Fim da notícia.
Por que uma tragédia dessas chama pouca atenção? A queda de um jato, talvez; ou um transatlântico indo a pique provavelmente chamaria, mas as mortes isoladas provocadas por automóveis, caminhões e ônibus conseguem pouco espaço no noticiário, mesmo sendo considerada uma epidemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Cerca de 500 mil brasileiros morreram entre 2012 e 2013, de acordo com dados da WRI Cidades, ONG que estuda e estimula o conceito de sustentabilidade urbana. A ONG promoveu um debate no final de dezembro, em São Paulo, e reuniu especialistas do Brasil, da Austrália e da Inglaterra para debater ações para reduzir as mortes no trânsito.
Marta Obelheiro, coordenadora de saúde da WRI, trouxe alguns números sobre os custos desse tipo de morte no Brasil. Em 2012, morreram no Brasil 44.800 pessoas, que geraram custo estimado de R$ 39 bilhões, dinheiro destinado a hospitais, pagamento de indenizações e perda de produtividade. Já em 2014, o dinheiro de 52% das 595 mil indenizações por invalidez permanente foi concedido a jovens entre 18 e 34 anos. Os números da realidade brasileira estão condizentes com a média do terceiro mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde, exibimos um índice de 24 mortes por 100 mil habitantes, próximo da média africana, de 21 mortes e muito longe do padrão Europa, de 9 mortes por 100 mil.
A OMS publicou recentemente um relatório estarrecedor sobre as consequências do aumento da frota de automotores para a vida nos países de baixa e média renda. O Relatório Global de Mortes no Trânsito foi apresentado durante a 2ª Conferência Global de Alto Nível Sobre Segurança no Trânsito em Brasília, com a presença de 130 países-membros, que se comprometeram a cumprir metas de redução das mortes. Ele mostra que os países de média e baixa renda, apesar de possuírem 50% da frota mundial, respondem por mais de 90% das mortes no trânsito e que os carros são a primeira causa de morte de jovens de 15 a 29 anos.
“Temos um enorme desafio cultural”, ressalta o especialista Jacow Grajew, sobre o compromisso assumido pelo Brasil ao assinar a Declaração de Brasília, na qual os membros da ONU assumem que as mortes no trânsito configuram um problema de saúde pública e se comprometem a reduzir esse volume pela metade até 2020. Jacow entende que o tema segurança viária deve ser encampado pelos políticos. “Ganho votos se mandar menos gente para o hospital”, comenta o especialista, sobre como deve ser o pensamento de quem pretende se eleger a cargos públicos.
O secretário de transportes da cidade São Paulo, Jilmar Tatto, já conhece o custo político em reduzir limites de velocidade. A prefeitura tem sido alvo de reclamações de opositores por estabelecer em 50 km/h o limite em praticamente toda a cidade, mas os resultados já começam a aparecer. “Este ano São Paulo ganha 250 vidas em razão do programa implantado”, comemora.
O desafio paulistano
A taxa de mortes por 100 mil habitantes em São Paulo ainda é alta. Em 2012 era de 12 e em 2014 fechou em 9,45. Ciro Biderman, chefe do gabinete da Secretaria de Transportes do município, explica durante sua apresentação que o prefeito Fernando Haddad quer adiantar a meta assumida com a ONU. “O prefeito pediu para atingirmos a taxa de 6 mortes por 100 mil ainda em 2016”, confessa. Para atingir o objetivo, farão campanhas mostrando os benefícios da redução de velocidade e irão intensificar a fiscalização.
O limite de 50 km/h para vias arteriais (aquelas que coletam o tráfego dos bairros) é recomendado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, em inglês). Um pedestre atingido por um automóvel nessa velocidade ainda tem 20% de chances de sobreviver. Busca-se com esse limite preservar a vida dos mais frágeis. Em todo o mundo metade das mortes ocorrem entre pedestres, ciclistas e motociclistas.
“Velocidade não é direito, é uma ameaça”, brada o representante da ONG Rede Nossa São Paulo, Carlos Arana. Ele aponta para o inchaço nos hospitais, onde 50% do leitos de emergência são ocupados por vítimas de crimes de trânsito. Ele afirma que a prefeitura precisa educar melhor os motoristas da cidade para o limite de velocidade nas vias locais. “Onde não há sinalização, o limite é de 30 km/h, mas ninguém sabe disso”, reclama.
O exemplo londrino
Os 30 km/h são emblemáticos na cidade de Londres, onde um grupo de ativistas conseguiu implantar um programa de redução de velocidade nos bairros residenciais da capital da Inglaterra, chamado 20´s plenty for us (20 é o bastante para nós, onde 20 mph = 30 km/h). O engenheiro Rob King queria saber como melhorar a vida dos ciclistas da cidade e se dirigiu à Hilden, cidade alemã onde 23% das viagens eram realizadas por ciclistas. “Eu esperava uma superestrutura cicloviária, mas me choquei ao me deparar com algumas linhas pintadas no pavimento, e só. Eles se orgulhavam de terem reduzido a velocidade para 30 km/h desde 1990, como forma de encorajar os cidadãos a usarem a bicicleta para ir ao trabalho”, explica.
A lógica da cidade alemã está na diferença da velocidade entre ciclistas e motoristas. Quanto menor essa diferença, mais o ciclista sente-se seguro. Assim, Rob King iniciou uma campanha em Londres e passados oito anos, mais de 3 milhões de londrinos moram em áreas com limite de 30 km/h e, com a adesão de outras cidades, 25% dos britânicos vivem em locais com essa política de velocidade. Dessa forma, Londres exibe uma das menores taxas de mortalidade, de apenas 2,8 por 100 mil habitantes.
*Este texto é um artigo de opinião e as ideias expressas nele são de responsabilidade de seu autor.