A leitura de mundo precede a leitura da palavra
A palavra ler vem do latim legere, que significa: colher, recolher, reunir.
É a palavra que colhe o sentido do vivido, recolhe experiências, reúne em um mesmo tempo e espaço o eu, os outros e o mundo, produzindo um rico diálogo, uma comunicação.
As palavras são geradoras de outras palavras a partir de seus sentidos. Para Paulo Freire, toda palavra é palavra-mundo. Ao ser lida, a palavra-mundo reúne o que era o mundo de fora com o que é o mundo de dentro. Por isso, nenhuma leitura é igual e ninguém lê o mesmo livro, nem mesmo quando o lê pela segunda vez.
Como estamos lendo este mundo que corre, para chegar a lugar algum?
Muitos de nós têm lido o mundo com pressa, sem muita mediação, sem alguém que se incumba de nos apresentar as suas facetas, sem contar com o outro. A partir da superficialidade das redes sociais, com suas limitações de caracteres, com seus múltiplos estímulos, vamos lendo e fragmentando o mundo.
Lendo mal o mundo, como lemos as palavras; de que serve, então, lê-las?
Como educadora, eu me assusto ao constatar que as crianças entram na escola gostando mais de ler do que quando chegam ao Ensino Fundamental II, quando já têm acesso à tecnologia e quando os pais dedicam menos tempo ao encontro para ler junto, discutir algo lido, para mediar uma leitura. Não se trata de demonizar ou banir a tecnologia. Trata-se de fazer uso inteligente dela.
Sabe aquele velho hábito de contar uma história antes de dormir? Podemos retomá-lo? Não vale substituir isso por vídeo ou audiolivro!
A interação do adulto com a criança, a leitura mediada pelo adulto, faz toda a diferença. Faz diferença também que a criança veja o adulto lendo, porque se educa pelo exemplo mais do que pela palavra.
Que tal investir mais tempo em leitura?
Vamos ler o mundo com a criança?
Você me dá a sua palavra?
“Se todo adulto tivesse um tempinho para contar uma história, declamar um poema ou até mesmo ler um livro para uma criança, a humanidade poderia sonhar com um futuro bem melhor. Não existe uma idade mais adequada para fazer uso de livros e iniciar uma amizade duradoura com as letras. Mas nós e muitos especialistas acreditamos que, quanto mais cedo isso acontecer, maiores serão as possibilidades de ampliar o conhecimento sobre o universo fantástico das letras e do mundo”, diz Leo Bento, pai de duas filhas e esposo de Luciana. O casal é proprietário da Iná Livros e idealizador da ação que busca empoderar, sobretudo meninos negros e meninas negras, pela leitura.
Se todos concordamos que a leitura traz conhecimento, por que lemos tão pouco no Brasil?
O Instituto do Alfabetismo Funcional – INAF – adverte: apenas um em cada quatro brasileiros domina plenamente a habilidade de leitura. Ou seja, o aumento da escolaridade média da população brasileira teve um caráter mais quantitativo (mais pessoas alfabetizadas) que qualitativo (do ponto de vista do incremento na compreensão leitora).
De acordo com a pesquisa do INAF, temos pouco tempo para esta atividade. O tempo livre das pessoas tem sido gasto com o uso de redes sociais. Estas impõem um ritmo acelerado de leitura, com poucos caracteres e pouco aprofundamento no conteúdo, treinando o cérebro para a velocidade, para a quantidade em detrimento da qualidade. Muitos acham que ler é cansativo, demanda dedicação, foco e tempo.
A notícia boa, baseada na pesquisa, é que podemos mudar tudo isso apenas lendo. Ou seja, se lermos, seremos exemplo para as crianças de que ler é bom e elas terão mais chances de se tornarem leitoras desde a infância, fase propícia para que este hábito se construa.
Uma frase de Bill Gates se tornou muito famosa: “Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever – inclusive a sua própria história.”
Esta deve sempre ser a nossa preocupação como adultos e como educadores: ser leitores, abrir espaço para que nossas crianças e jovens saibam ler o mundo e escrever sua própria história, com sua palavramundo, no seu tempo-espaço.
Referências e sugestões para avançar na temática:
- Artigo sobre Leo Bento e seu projeto. Disponível em: <https://www.estantedowilson.com.br/le-pro-ere-e-uma-das-acoes-da-inalivros-para-inspirar-os-pequenos/>. Acesso em: 17 de junho de 2018.
- Pesquisa Retratos de Leitora no Brasil. Disponível em: <http://prolivro.org.br/home/images/2016/Pesquisa_Retratos_da_Leitura_no_Brasil_-_2015.pdf>. Acesso em: 17 de junho de 2018.
- SILVA, Amós Coelho. E para quem sabe ler pingo é letra. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/principia/article/viewFile/10569/8295>. Acesso em: 17 de junho de 2018.
- Indicador de alfabetismo funcional – INAF – Disponível em: <http://www.ipm.org.br/inaf >. Acesso em: 16 de junho de 2018.
- FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. Em três artigos que se completam. 49ª ed. São Paulo: Cortez, 2008.
- STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 4ª ed., 2018, p.285 – 288.
- BRANDÃO, Carlos. Paulo Freire – O menino que lia o mundo: uma história de pessoas, de letras e de palavras. Disponível em: <http://www.acervo.paulofreire.org:8080/jspui/bitstream/7891/4218/1/FPF_PTPF_12_101.pdf>. Acesso: 15 de junho de 2018.
- http://inalivros.com.br/100-meninos-negros-em-livros-infantis/http://100meninasnegras.com/
http://amaepreta.com.br/2016/02/100-meninas-negras/
http://inalivros.com.br/campanha-le-pro-ere/
Mônica Solange do Carmo Precci Lopes
13/01/2021 @ 21:03
Achei interessante, pois temos três filhas e eu gostava de contar estórias para elas. Fiquei um pouco intrigada porque me disseram se não souber contar não adianta. Ao ler este texto pude perceber que não fui para o caminho errado. Elas se interessam por livros mesmo sendo de inglês, alemão, brasileiro, acredito que depois dessa leitura me animei mais.
Obrigada.