Por que jovens decidem parar o trem de suas próprias vidas?
“Pessoas que sonham com a comunidade na esperança de encontrar a segurança de longo prazo que tão dolorosa falta lhes faz em suas atividades cotidianas, e de libertar-se da enfadonha tarefa de escolhas sempre novas e arriscadas, serão desapontadas. A paz de espírito, se a alcançarem, será do tipo “até segunda ordem”. (Bauman, 2003, p.19)
Pode-se viver sem paz de espírito, sem objetivo de vida e sem sentido na vida? Quando um jovem comete suicídio, vai com ele sua história de vida não escutada, não compartilhada, não vivida. Nasce, no lugar, uma invasiva e perene interrogação.
Diante dos números, alguns fatos ficam invisibilizados: 30 mil jovens brasileiros morreram vítima de homicídio em 2014. Além destes, 3 mil suicídios entre 15 e 29 anos de idade. Muito se fala sobre a violência, de maneira geral, mas o suicídio ainda é tema tabu, gera desconforto, dúvida, culpa.
Julio Jacobo Waiselfeisz é o criador do Mapa da Violência e, neste estudo, o sociólogo adverte que a taxa de suicídio cresce na população brasileira. Aumentou 60% de 1980 até agora.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) mostra que, em números absolutos, o Brasil é o oitavo país com maior número de suicídios do mundo. Fonte da OMS de 2015 dá conta de que 800 mil pessoas morrem anualmente por suicídio, o que significa dizer que a cada 40 segundos há uma pessoa que decide tirar sua vida.
Dificuldades econômicas, suicídio honorável, pressão social, bullying, depressão, sensação de não pertencimento – o que, afinal, leva ao suicídio?
Para tratar sobre este tema, entrevistamos o psicólogo, Dr. Alexsandro dos Santos Machado, membro do Núcleo do Cuidado (da Universidade Federal de Rio Grande do Sul) e Conselheiro de honra na Comunidade Reinventando a Educação – CORE.
De acordo com ele, que está se pós-doutorando em Saúde Pública, o problema do suicídio entre adolescentes e jovens é uma questão de educação e de saúde pública, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Os índices de suicídio no Brasil são grandes, mas são ainda maiores em países industrializados e desenvolvidos. Precisamos estudar, pesquisar, falar sobre isso nas famílias, nas escolas e em âmbito acadêmico.
Como professor e estudioso de Educação Popular em Saúde, por meio dos estudos das narrativas e Histórias de vida, entende que o suicídio, sobretudo entre adolescentes, ocorre quando a vida carece de objetivos e de sentido.
Há que se fazer, segundo este educador, uma importante diferenciação entre ter objetivo de vida e ter sentido na vida. Ter objetivos é ter horizontes, ter possibilidades, ter futuro, o que os antigos chamavam de vida ativa, trabalhar por um porvir.
De acordo Alexsandro, que é pai de 3 filhos, mais importante que estes objetivos, é encontrar o sentido da vida, o que os antigos chamavam de vida contemplativa. Encontramos sentidos quando conseguimos contemplar nossa caminhada, encontrar nela sentido. E nisso, é muito importante a crença na rede sociocultural de apoio: amigos, familiares, que possam dar o conforto e o rumo para a caminhada.
Cada vez mais carecemos de rede de apoio que garanta horizontes, um futuro aos nossos jovens, que estimule a possibilidade de se viver-junto o momento presente e pleno de felicidade e de sentido.
Encontramos sentido ao ressignificar o nosso “não” dito ou ouvido. Num mundo cheio de negativas e que fecha muitas portas, precisamos lidar com estes nãos, educar os nossos jovens a partir do que deve ser a nossa função como adultos. Dar limite a esta modernidade líquida. Há que se conseguir dizer não, mas um não de um pai, uma mãe, um adulto presente; um abraço que ao mesmo tempo que acolhe, contém.
Será que estes adultos encontraram o sentido de suas vidas? Ou será que, imersos em consumismos e estímulos de toda sorte, não conseguem ser continência aos filhos? De onde virá a carência dos adultos? Carência de sentido e de confiança em seus líderes políticos, carência de confiança nas instituições, na democracia, nas igrejas?
A propósito, para alguns, pertencer a uma igreja significa também outorgar a ela o poder de mandar, o poder de determinar o que vestir, como se comportar socialmente e até em quem votar, porque a liberdade dói e os nossos adultos não sabem mais lidar com a liberdade.
Parece que todos vivem uma gigante carência e que precisam seguir, pertencer a qualquer preço, quase sem questionar.
Uma possibilidade de solução, sugere o Dr. Alexsandro, é que o adulto viva uma vida ativa e contemplativa, para que os jovens possam se sentir mais amados que comprados ou vendidos, porque o amor não se paga, não pode ser barganhado. O amor se vive, se dá.
Os nossos jovens precisam ter sentidos e objetivos, precisam ser abraçados e contidos, precisam de rede que os motive a participar, enquanto os protege. Ou nos assumirmos como adultos, nesta complexidade, ou perderemos crianças que não encontram suporte e não conseguem se suportar.
Em tempos de policrise, todas as nossas instituições carecem de maturidade. Já alertara Edgar Morin para o fato de que estamos vivendo uma policrise, de instituições, sentimentos, pessoas.
Uma sociedade onde crianças e adolescentes se matam é uma sociedade onde adultos não sabem ser adultos. “Comprometer-se com o outro é, em muitos casos, estabelecer limites. […] O limite é uma forma de proporcionar a reflexão sobre a própria potencialidade e o direcionamento da energia da vida. Será esta potencialidade, conhecida e conscientizada, capaz de mobilizar os projetos de vida dos sujeitos.” (Vieira, 2016, p.35)