A baronesa austríaca que foi pioneira da agroecologia no Brasil
A engenheira agrônoma Ana Maria Primavesi é considerada a pioneira da agroecologia no Brasil. Ela defendia que o solo precisa apenas de matéria orgânica para produzir
Por: Juliana Lima
Ana Maria Primavesi foi uma engenheira agrônoma considerada a pioneira da agroecologia no Brasil, área que visa retomar conceitos anteriores à chamada Revolução Verde, quando foi implantado o uso de maquinários e agentes químicos no plantio. Ou seja, a agroecologia é a agricultura de uma forma ecológica.
“Tudo o que o solo precisa para produzir é a matéria orgânica”. Era essa a crença de Ana Maria, que também inovou ao ensinar que o solo tropical brasileiro não poderia ser tratado da mesma forma que o solo temperado europeu.
Nascida em 1920 em um castelo na Áustria, seu nome verdadeiro era Annemarie Baronesa Conrad e ela, de fato, possuía o título de Baronesa, herdado de seu pai, o Barão Sigmund Conrad. Desde pequena, Ana Maria sempre teve contato com o campo.
Quando entrou na universidade, a Áustria já estava anexada à Alemanha nazista e ela, assim como todos os alunos, foi obrigada a passar mais tempo fazendo trabalhos braçais do que estudando. Segundo sua biógrafa Virgínia Knabben, Ana Maria resistiu bem a esse período e havia prometido não desistir dos estudos.
Durante a Segunda Guerra Mundial, seus dois irmãos foram convocados a lutar pela Alemanha, embora não fossem seguidores do nazismo. Ambos morreram em batalha e, conforme a guerra avançava, os homens mais velhos também tiveram de se alistar e o pai de Ana Maria também foi chamado.
Como ela e o pai eram muito próximos, ela o acompanhou quando o barão foi preso pelos ingleses. “(Os ingleses) precisavam tirar de circulação quem pudesse criar problemas com a ocupação e ela ficou presa por bastante tempo, inclusive, lá. São professores de universidade, advogados, médicos, todos na prisão”, narra Virgínia.
O período foi extremamente difícil para Ana Maria e as informações só foram obtidas graças a um diário que mantinha, já que a agrônoma nunca conseguiu falar sobre o assunto.
Uma das únicas três mulheres na sua turma da universidade, ela conseguiu terminar os estudos apesar das dificuldades. Ao chegar no Brasil, em 1948, ela já tinha seu doutorado e passou a dar aulas na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, junto de seu marido, Arthur Primavesi. Nessa época, ela começou a escrever o livro ‘Manejo Ecológico do Solo’, considerado um clássico da literatura agronômica.
O Brasil passava, na época, justamente pelo ápice da Revolução Verde, implementando maquinário e agentes químicos no plantio. Ana Maria, no entanto, sabia que nada disso realmente importava para a saúde das plantas, já que o solo segue naturalmente o seu ciclo a partir da matéria orgânica.
Um dos pontos defendidos por Ana Maria era o manejo correto do solo tropical brasileiro, que não poderia ser o mesmo que o de clima temperado. Isso porque em países mais quentes, as rochas estão mais distantes do nível superficial do solo, o que faz com que ele contenha menos minerais mas possua mais vida orgânica.
Ao passar o maquinário por cima do solo, a terra é compactada, impedindo que o ar entre, que haja as trocas gasosas necessárias e que a dinâmica desses organismos continue adequadamente. Por isso, na agroecologia, o manejo do solo é feito com a própria matéria orgânica, como as folhas secas.
Em 1977, quando Ana Maria Primavesi ficou viúva, foi morar em São Paulo, onde adquiriu uma fazenda no município de Itaí. Seu projeto de vida passou a ser, então, restaurar a terra na propriedade, que estava completamente degradada na época. Com o sucesso, o local se tornou um verdadeiro paraíso ecológico.
Uma de suas principais características era a utilização de uma linguagem simples para se fazer entender, principalmente pelos agricultores, que eram os que colocavam a teoria na prática. O sucesso da restauração de sua fazenda motivou inúmeros convites para eventos, congressos, palestras e viagens para ensinar a sua prática agrícola.
Segundo sua biógrafa, a agrônoma sofreu com o machismo e com críticos que, na época, ainda chamavam a agroecologia de “agricultura alternativa” em tons pejorativos. “Ainda teve que enfrentar a adversidade e as críticas de pessoas que falavam que ela não era cientista e não sabia o que estava falando”, diz.
Graças a seu trabalho, no entanto, Ana Maria Primavesi foi convidada para ser a primeira sócia da Associação da Agricultura Orgânica (AAO), além de ter recebido uma série de prêmios, como o One World Award, da Federação Internacional dos Movimentos da Agricultura Orgânica (IFOAM).
Ana Maria Primavesi morreu em 5 de janeiro de 2020, aos 99 anos, em decorrência de problemas cardíacos.
Fonte: G1 e Brasil de Fato