Acúmulo de doenças: Brasil tem mais de 1 milhão de casos de dengue
Mesmo durante a pandemia de Covid-19, o Brasil continua registrando alta nos casos de dengue e ultrapassa a marca de 1 milhão de ocorrências em 2020. A doença pode levar à morte
Por: Júlia Pereira
Um relatório divulgado em junho pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) mostra que, nos cinco primeiros meses deste ano, a região das Américas teve 1,6 milhão de casos de dengue. Desse total, 65%, ou mais de 1 milhão de casos, foram registrados no Brasil.
Uma das possíveis razões para o alto número de casos de dengue no país é o isolamento social. As pessoas estão passando boa parte do tempo em suas casas e, se não seguirem as medidas de prevenção à dengue, estão mais propícias à infecção. É o que afirma Andrea Sobral, pesquisadora do Departamento de Endemias Samuel Pessoa da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
“É muito importante fazer a vistoria em casa, eliminando os objetos que possam acumular água, mesmo aqueles que possam acumular em pequenas quantidades”, explica Andrea.
Segundo Andrea, é possível observar um aumento dos casos de dengue no Brasil a partir da Semana Epidemiológica (SE) 11, ainda no mês de março, quando a pandemia do novo coronavírus já estava avançando no país.
Os relatórios divulgados pelo Ministério da Saúde mostram que, de 29 de dezembro de 2019 a 14 de março de 2020, foram notificados 390.684 casos possíveis de dengue no país. Já no período que se estende até o dia 27 de junho de 2020, os números sobem para 874.093 casos possíveis.
No entanto, esse índice pode ser ainda mais alto visto a subnotificação de casos de dengue em razão do cenário pandêmico que o Brasil enfrenta neste momento.
“As equipes de vigilância epidemiológica estaduais estão diante do enfrentamento dessa emergência pública. Então isso, de alguma forma, está levando, até mesmo, à subnotificação de casos de arboviroses”, ressalta Andrea.
Para evitar a subnotificação, a mudança necessária seria o fortalecimento do sistema de saúde do país e das equipes de vigilância, mas os cuidados em casa ainda são mais importantes. Uma vez que a prevenção é feita de maneira correta e regular, a taxa de incidência de dengue cai e, consequentemente, a busca por atendimento médico também, o que evita o esgotamento do sistema de saúde.
“A prevenção não deve acontecer no momento em que os casos estão acontecendo. Na verdade, ela tem que anteceder para que os casos não ocorram. Isso é feito com visitas domiciliares, com bastante informação, com educação para a saúde”, lembra a pesquisadora.
Sobra informação, mas falta prevenção
A prevenção deve fazer parte da rotina de todos, e para auxiliar nisso as equipes de vigilância atuam por meio de ações, como as visitas domiciliares para o controle da dengue.
Nessas visitas, as equipes se deparam com a falta de cuidado nas casas, o que aumenta as chances de contaminação. “Os principais erros são o acúmulo de água em calhas, em vasos de plantas, que continuam mesmo a gente passando sempre [nas casas], fazendo bastante divulgação”, diz Peterson Vichetti Bento, agente de controle de endemias da Divisão de Vigilância de Zoonoses (DVZ) da Prefeitura de São Paulo.
Peterson observa que não há uma falta de informações sobre a dengue e os riscos que ela causa, mas sim que muitas pessoas acreditam que nunca serão contaminadas e, por isso, acabam ignorando as medidas de prevenção.
“Eu acho que as pessoas só acreditam quando acontece com elas. Falta de informação eu acho que não, porque a gente tem bastante programa na rádio, na TV, panfletos, folhetos, é passado em escolas, fora o agente que passa na casa da pessoa duas ou três vezes por ano informando”, comenta.
O agente explica que tais visitas nem sempre são fáceis de serem realizadas, pois há uma resistência das pessoas em deixarem as equipes entrarem em suas casas. Neste momento de pandemia, o desafio aumentou, já que os moradores têm receio da contaminação pela Covid-19 ao permitir esse contato.
“As pessoas falam que não têm nenhum problema em casa, que está tudo certo, ou simplesmente falam que não vão deixar a equipe entrar mesmo”, lembra Peterson.
Os sintomas podem ser graves e até levar à morte
A dengue é uma doença febril causada pelo vírus transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti. Existem quatro tipos de vírus da dengue, sorotipos 1, 2, 3 e 4. A infecção causada por um sorotipo gera imunidade permanente para ele, mas cada pessoa pode ter os quatro sorotipos da doença.
“A cada contágio por um novo tipo de vírus, os sintomas podem ser mais intensos e o risco de desenvolver a dengue grave se eleva”, explica Andrea Sobral, pesquisadora da ENSP/Fiocruz.
Os sintomas da infecção causada por cada sorotipo são semelhantes. O que pode se agravar é a chamada fase crítica, período de defervescência (diminuição da febre) acompanhada por sinais de alarme, momento que pode causar complicações clínicas e potencialmente letais, até chegar na dengue grave.
Neusa Uemura Nelson Borgo, de 75 anos, passou por esse susto duas vezes. A primeira foi em 2015, quando começou a sentir mal-estar, perda de apetite e teve febre alta, até que decidiu buscar por atendimento médico na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Catanduva (SP), cidade onde mora.
Na consulta, foi recomendado que Neusa fizesse repouso e utilizasse uma medicação para diminuir a febre, tratamento que ela seguiu em casa, mas percebeu que os sintomas só pioravam dia após dia.
Ela então voltou à UPA, onde passava a maior parte do dia tomando soro para manter a hidratação e fazendo exames de sangue para controle das plaquetas, que oscilavam. Essa rotina durou cerca de trinta dias.
“Teve uma ocasião em que umas três horas [da tarde] o médico me deu alta, falou para eu ir para casa. Quando cheguei em casa, deu uns 15 minutos e ele me ligou: ‘Volta, porque o último exame que nós fizemos mostra que a sua plaqueta está muito baixa’”, lembra.
Neusa foi encaminhada para o Hospital Padre Albino, onde ficou dois dias tomando medicação e continuava sentindo mal-estar, dores no corpo e tendo oscilação da febre.
Até que os sintomas começaram a aliviar, mas foram mais dois meses para a recuperação total.
Em janeiro deste ano, Neusa voltou a apresentar os sintomas da doença, como dores fortes no tórax, e decidiu ir à UPA, onde o médico disse que se tratava de uma pneumonia e receitou um antibiótico.
Mesmo fazendo o tratamento corretamente com o remédio, Neusa não percebia uma melhora. Pelo contrário, ela conta que as dores só pioravam a ponto de perder alguns sentidos, ter lapsos de memória e dificuldades para se movimentar.
Em razão da pandemia, que estava chegando ao Brasil, Neusa decidiu não buscar ajuda médica como da primeira vez, por ter receio de ir ao hospital e acabar contraindo o coronavírus. A moradora de Catanduva manteve os cuidados em casa, principalmente repouso e hidratação por cerca de 40 dias.
O cancelamento de exames neste momento de calamidade pública também atrasou o diagnóstico de Neusa, que só em julho recebeu a confirmação de que tinha sido contaminada pela dengue pela segunda vez.
“As pessoas precisam se cuidar, sim. Se cada um de nós fizer a sua parte, ele [o vírus da dengue] vai sendo eliminado”, destaca Neusa.
O Brasil está vivendo um momento de acúmulo de epidemias concomitantes, a exemplo da dengue e da Covid-19. Por isso, para evitar uma sobrecarga do sistema de saúde, é importante que todos sigam as medidas de prevenção.
“A gente não pode se descuidar. A atenção à dengue é contínua, constante. Por isso, a vistoria com regularidade e com muita atenção no seu domicílio vai fazer toda a diferença”, diz a pesquisadora Andrea Sobral.
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16/02/2022 @ 16:55
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