Apesar de ainda não existir, a vacina da Covid-19 já sofre com fake news
A imunização contra o novo coronavírus, que ainda não existe de fato, já foi relacionada a fetos abortados e a microchips em uma campanha de desinformação sem controle na internet
Por: Mariana Lima
Há algumas semanas começou a circular nas redes sociais e em aplicativos de troca de mensagens uma produção textual que se apresentava como notícia. O conteúdo, uma mistura de informações verdadeiras e afirmações imprecisas ou falas, denunciava que as vacinas em desenvolvimento para a Covid-19 utilizavam “células de fetos abortados, segundo especialistas”.
A publicação reiterava que as vacinas contra o coronavírus têm estas células em sua composição, “um fato já denunciado há nos por sites pró vida, com base em publicações científicas”.
O texto remetia a duas outras páginas, Life Site News e Precious Life, ao apontar que uma empresa estaria usando “células fetais abortadas, conhecidas por HEK-293”, assim como pesquisadores da Universidade Oxford, no Reino Unido.
Apesar de colocar nomes de instituições renomadas como fontes, a suposta notícia é mais um elemento de uma campanha de desinformação contra a vacina para a Covid-19, que já chegou a envolver Bill Gates, microchips para controle populacional e crianças no Senegal.
O contexto que não explicam
Boa parte destes conteúdos são, na realidade, versões aprimoradas de informações falsas que já haviam sido divulgadas antes por pessoas contrárias a qualquer tipo de vacinação.
Pesquisadores já informaram que a produção de vacinas pode envolver o uso de culturas de células obtidas de tumores ou de fetos humanos que foram abortados. Elas são essenciais para esse tipo de ação, pois os pesquisadores precisam de células que possam ser infectadas pelo vírus para que se reproduza. Desta forma, é possível obter exemplares suficientes para testar e produzir vacinas.
Vale ressaltar que as vacinas tendem a usar cópias mortas ou alteradas – para não serem infecciosas – de um vírus, que, após ser injetado no corpo, leva o sistema imunológico a produzir anticorpos para combater a ameaça.
Neste cenário, o organismo conseguirá combater um patógeno de forma mais eficiente quando for realmente infectado, impedindo que uma pessoa fique doente.
Dentro desta perspectiva, as culturas de células são usadas para isso desde meados do século XX e estiveram envolvidas na produção de algumas das principais vacinas que temos atualmente, como para a rubéola, catapora e hepatite A.
Além de facilitar a produção de vacinas e permitir uma produção em massa, o uso das culturas permite que as descobertas realizadas tenham uma uniformidade maior.
A cultura HEK-293, que foi utilizada na suposta notícia, foi desenvolvida no início da década de 1970, a partir do rim de um feto abortado na Holanda. Antes deste processo era necessário obter o vírus de pessoas ou injetá-lo em um animal, matá-lo, tirar um pedaço do corpo, e purificar o material.
Os pesquisadores reforçam que a técnica foi feita pontualmente uma vez, e que não estão sendo realizados abortos agora para que se produzam vacinas.
De acordo com a revista Science, ao menos cinco das mais de 140 candidatas a vacina contra a Covid-19 estão utilizando culturas na linha da HEK-293 em suas pesquisas.
Destas cinco, duas estão na fase de estudos clínicos, entre elas a vacina de Oxford que está em testes no Brasil. A vacina produzida pela empresa chinesa Sinovac, que também vem sendo testada no país, utiliza uma cultura de célula de rim de macaco.
No total, em quatro das vacinas que utilizam culturas com origem em fetos, as células são utilizadas para fabricar adenovírus atenuados, que servem para transportar parte do genoma do coronavírus para dentro do organismo.
Assim, os adenovírus infectam as células do nosso corpo e as fazem produzir proteínas do coronavírus. Desta forma, os pesquisadores esperam que sejam capazes de gerar uma resposta imunológica.
Com base na análise das vacinas, a afirmação da suposta notícia é falsa, uma vez que as células são usadas para produzir o vírus. Depois, o vírus é separada das células e a vacina contém apenas o vírus.
A produção de noticias falsas não para
Outra suposta notícia que circulou nas redes foi que a pandemia faria parte de um plano para implantar microchips na população mundial e que o empresário Bill Gates, cofundador da Microsoft, seria o responsável. A Fundação Bill e Melinda Gates informou que a história era falsa.
As referências a essa ocorrência começaram com o chefe do Partido Comunista russo e com Roger Stone, ex-consultor do presidente Donald Trump, com base em boatos que surgiram em março, quando Gates disse em entrevista que, em algum momento, “teremos certificados digitais” para mostrar quem se recuperou da Covid-19, foi testado e recebeu a vacina, mas sem fazer qualquer menção a microchips.
Outra suposta notícia que circulou em abril nas redes sociais indicava que sete crianças de uma mesma família teriam morrido no Senegal após serem vacinadas contra o novo coronavírus. As informações eram acompanhadas por um vídeo que mostrava um tumulto no país, em que um vendedor de cosméticos teria afirmado ter a vacina.
No clipe original, a morte das crianças não é mencionada, mas há versões em que foi acrescentada uma narração com essa afirmação. O ministério da Saúde do Senegal negou a história ao portal G1.
Fonte: BBC Brasil