Brasil não sabe a causa de 17 mil mortes violentas registradas em 2019
Nova edição do Atlas da Violência, do Ipea, mostra aumento das mortes violentas por causa indeterminada e aponta para subnotificação de homicídios
Por: Mariana Lima
De acordo com o Atlas da Violência, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil não sabe a causa de 17 mil mortes violentas que ocorreram em 2019.
Essas ocorrências podem ter sido provocadas por agressões, assassinatos, acidentes ou suicídios, mas entram nas estatísticas como indefinidas e provavelmente puxam os registros do país para baixo.
O estudo calculou que os óbitos classificados como “morte violenta por causa indeterminada” (MVCI) tiveram um salto de 12.310 para 16.648 entre os anos de 2018 e 2019, um aumento de 35%.
Problemas nas notificações
Esse crescimento vai na contramão dos homicídios, que caíram 21% no mesmo período, indo de 57.956 em 2018 para 45.503 em 2019. O número oficial de assassinatos em 2019, aliás, é o menor desde 1995, início da série histórica.
Considerando o aumento as mortes por causa indeterminada, é possível que o número real de homicídios não tenha caído como os dados oficiais indicam.
Segundo o levantamento, a qualidade dessas informações vinha melhorando há mais de 15 anos, mas sofreu uma piora significativa em 2018 e 2019. Com isso, a parcela de óbitos sem definição sobre o total de mortes por causas externas dobrou de 6% para 12% em dois anos, pior patamar desde 1979.
Os pesquisadores argumentam que a piora vem ocorrendo pela falta de revisão adequada dos estados e do governo federal. Todo ano, um trabalho intenso é feito junto às unidades da federação para qualificar os dados, tentando saber junto às polícias e famílias quais as circunstâncias das mortes.
Seis estados têm apresentado falhas mais gritantes: São Paulo, Rio de Janeiro (em ambos, as taxas de mortes indefinidas chegam a superar os homicídios), Ceará, Bahia, Minas Gerais e Pernambuco.
Queda nas mortes violentas
A diminuição das mortes violentas no Brasil a longo prazo é creditada por pesquisadores ao envelhecimento populacional, uma vez que a maioria das vítimas é jovem, a uma série de políticas públicas de segurança em alguns estados e ao Estatuto do Desarmamento, a partir de 2003.
A curto prazo, envolve também uma espécie de armistício entre facções criminosas que travaram uma guerra pelo tráfico internacional de drogas em 2016 e 2017, causando na época uma explosão de homicídios no Norte e Nordeste, seguida de uma queda acentuada.
Neste edição, o Atlas faz um alerta para a alta recente dos óbitos. Entre as causas, cita o recrudescimento da violência no campo, o aumento das mortes por policiais sem mecanismos de controle efetivos e a ampliação do acesso a armas de fogo pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
O recorte racial
De acordo com o levantamento, a redução da violência letal na última década se concentrou mais entre a população não negra do que entre a negra. No primeiro grupo, a taxa por 100 mil habitantes caiu 30% entre 2009 e 2019, já no segundo a diminuição foi de apenas 15%. Neste cenário, negros são 76% das vítimas e têm 2,6 mais chances de serem mortos.
Outro dado que fortalece a percepção de que a desigualdade racial aumentou é que, em 2009, a taxa de mortalidade de mulheres pretas ou pardas era 49% maior que a de mulheres brancas, indígenas ou amarelas. Onze anos depois, passou a ser 66% superior.
O perfil das vítimas continua sendo jovem, apesar dessa porcentagem estar caindo a cada ano. Dos mais de 600 mil homicídios acumulados de 2009 até 2019, 53% das vítimas tinham entre 15 e 29 anos.
O Atlas traz ainda dados sobre as violências contra a população LGBTQIA+, dando destaque para a falta de informações sobre este grupo. As denúncias ao Disque 100, serviço do governo federal, sofreram uma redução brusca no último ano da análise.
Desde 2015, o número de ligações se mantinha entre 1.600 e 2.000 anuais. Em 2019, caiu à metade, para 833. Por outro lado, os números do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) não indicaram uma queda desse tipo de notificação no sistema de saúde.
Fonte: Folha de S. Paulo