Degradados e sob risco, os solos estão abandonados pelas políticas públicas
Este será o ano dos solos. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) escolheu 2015 para marcar as discussões sobre esse, que é um tema fundamental para o futuro da humanidade, mas que tem sido relegado a uma agenda periférica. O assunto, porém, deveria ocupar um lugar central nas políticas públicas estratégicas do Brasil, que se gaba de dizer que será o celeiro do mundo, mas que ainda não cuida do seu solo como deveria.
O fato é que o mundo enfrenta hoje uma grave crise na conservação dos solos. É o que aponta um estudo que veio a público no finalzinho do ano passado pelas mãos do Global Soil Forum – GSF, uma iniciativa alemã que se dedica a criar convergência de conhecimento e ação para a conservação dos solos em escala global.
De acordo com a organização, a quantidade de solo fértil per capita caiu pela metade nos últimos 50 anos. Ou seja, não é só a água e o clima que devem entrar para a perspectiva econômica. Devemos adicionar a esse caldo a questão dos solos e isso vai dar o que falar se quisermos ser sérios sobre os limites do nosso planeta.
A parte boa da data criada pela FAO é que o tema ganhará evidência. E será discutido no Brasil pelos maiores pesquisadores e especialistas no mês de março, em Brasília, durante a Conferência “Governança do Solo”. Lá, deverão serão ser discutidos aspectos sobre a governança e a gestão territorial e de solos, com enfoque da gestão de microbacias.
O governo brasileiro ainda não faz parte das iniciativas mais amplas no que diz respeito à conservação de solos, tema que anda pulverizado entre vários ministérios, mas sem o arcabouço de um corpo sólido em termos de uma política pública de caráter nacional.
Ressalte-se, porém, que foi da Embrapa Solos, empresa de pesquisa ligada ao governo, que saiu recentemente um estudo que fez – ou deveria fazer – acender a luz amarela desse problema. O trabalho foca justamente no bioma Cerrado, que ocupa 25% do território brasileiro e que produz mais da metade da carne processada no país. O estudo alerta que de 2006 a 2011, 32 milhões de hectares de pastagens foram degradados na região.
Sem um plano para recuperar essas áreas, elas ficarão inúteis para a produção. Impedirão inclusive que a água da chuva penetre no solo e abasteça a “caixa d`agua” do Brasil, apelido que tem o Cerrado, pois o bioma abriga as fontes que abastecem boa parte das bacias hidrográficas do país. E falta de água é tudo que não deve ter um país que tem na agricultura a base de sua economia.
Todavia, o problema dos solos transcende as nossas fronteiras. A FAO está divulgando que cerca de 30% das terras em todo o mundo têm alto ou médio grau de degradação. Isso significa que essas áreas tiveram sua capacidade produtiva reduzida por ações naturais ou humanas, como erosão, impermeabilização, salinização e poluição. As perdas anuais em termos de solo chegam a 24 bilhões de toneladas.
A mesma FAO lembra que cerca de 840 milhões de pessoas passam fome e que a esperança de nutri-las começa com a existência de solos férteis e que a agricultura e a pecuária mal conduzidas são as principais causas da degradação dos solos. O acesso, ou não, a solos férteis pode representar a diferença entre a riqueza e a pobreza de uma população. Portanto, ter solo adequado para suas necessidades é um direito básico.
Além disso, o solo é considerado o principal reservatório temporário de carbono nos ecossistemas por apresentarem, em média, quatro vezes e meia mais carbono do que a biota e três vezes mais do que a atmosfera, segundo os cientistas. Com isso, a conservação desses reservatórios é vital para o equilíbrio climático. Se quisermos um planeta menos aquecido e capaz de alimentar a todos, seria bom começarmos a olhar para onde nossos pés estão fincados.
Maria Cecília Wey de Brito é secretária-geral do WWF-Brasil. Mestre em Ciência Ambiental e graduada em Engenheira Agrônoma pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (USP).
Fonte: Época