Encontro de Fundações discute futuro do Terceiro Setor no Brasil
O atual contexto político e econômico do país, o novo Marco Regulatório, os desafios e a percepção da sociedade sobre o trabalho do Terceiro Setor foram os temas abordados durante o 9º Encontro Paulista de Fundações, realizado no dia 2 de setembro. O evento reuniu gestores de diversas instituições da sociedade civil, representantes do Estado, pesquisadores, advogados e entidades de apoio aos órgãos sem fins lucrativos no Brasil.
Na abertura, a presidente da Associação Paulista de Fundações (APF), Dora Bueno, falou do papel das instituições não governamentais em áreas estratégicas como saúde, educação, profissionalização e promoção social. Em seguida, o Secretário Estadual de Desenvolvimento Social de São Paulo, Floriano Pesaro, acrescentou que o Terceiro Setor é um importante agente público não governamental, parceiro do Estado e defendeu a utilização de fundos patronais como fonte de recursos para projetos.
O Secretário criticou a atuação dos últimos governos no fortalecimento das regras do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e como essa prática tem dificultado a atuação das fundações. “O Estado está deixando de direcionar recursos e se detendo apenas na regulação dos serviços. O que pode ser algo bom, desde que discutido, aprofundado, debatido e pactuado com o Terceiro Setor porque, afinal, é ele quem mais atua nos serviços sociais no Brasil”, completou.
Conjuntura Brasileira -Durante o primeiro painel, o economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, e o Diretor Presidente do Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER), Marcos Lisboa, propuseram análises globais da política e economia brasileiras indicando como elas servem de pano de fundo para entender o impacto da crise no Terceiro Setor.
O mediador e sócio da GO Associados, Gesner Oliveira, observou que em situações de forte desequilíbrio das contas públicas há uma tendência crônica de aumentar os impostos e asfixiar a atividade produtiva nacional. Nesse sentido, foi proposto que os economistas Ilan e Marcos falassem de caminhos viáveis para o país sair da recessão, promover o ajuste fiscal com mais criatividade e não interromper os investimentos em infraestrutura.
Goldfajn relembrou que o boom das commodities financiou as políticas assistencialistas do governo federal, a melhoria da renda e o crescimento econômico do país. A partir de 2010, o mercado externo se retraiu e o Brasil começou a desacelerar e perder competitividade. Ele explicou que o desafio atual é convencer os investidores que a taxa de retorno em médio e longo prazo será compatível com a aplicação de recursos em diversas áreas, entre elas a de infraestrutura.
Marcos Lisboa citou o crescimento dos gastos com previdência, a baixa produtividade e crescimento econômico, além de reforçar a ineficiência do aumento de impostos como alternativa para abastecer o caixa do governo, pois a medida influencia o efeito inverso – os empresários recuam. De acordo com ele, “o governo federal dos últimos 12 anos deu muito estímulo ao consumo (cresceu), investimento (não cresceu), a produtividade desabou e a economia entrou em recessão.” Ele também criticou a carga tributária brasileira – dez pontos acima dos demais países emergentes – como problema estrutural que impede o desenvolvimento.
Os economistas concordam que o governo precisa rever as intervenções estatais, simplificar os impostos e expor a economia à concorrência. Em relação ao Terceiro Setor, os especialistas reconhecem a fragilidade das instituições e a necessidade de regulamentação de fontes de financiamento púbicas e privadas.
Tributos – Na palestra Filantropia em tempos de crise – Estratégias para a Sustentabilidade das Organizações da Sociedade Civil, o diretor presidente da Associação Fundo Patrimonial Amigos da Poli, Máximo Hernández González, contou a experiência de sucesso na captação de recursos para a Faculdade de Engenharia da Universidade de São Paulo (USP) e esclareceu dúvidas frequentes de gestores em relação aos descontos previstos por lei.
Os Fundos Patrimoniais funcionam como reservas de capital de onde são retirados lucros para investimentos em ações diversas. O caixa é mantido com doações de pessoas físicas e jurídicas. González falou da baixa representatividade dos fundos no Brasil e da falta de tradição e confiança junto à sociedade.
No caso de pessoas físicas não é possível abater as doações do Imposto de Renda (IR), as empresas podem deduzir se o receptor for uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e os doadores devem Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
A advogada, Flavia Regina, abordou a necessidade de desburocratizar a prestação de contas das fundações e defendeu o acesso mais amplo às informações jurídicas e financeiras para seus gestores. “Muitas organizações não conhecem os impostos ou não sabem como cada um funciona. Dessa forma, elas se expõem a riscos e também os seus doadores. A burocracia compromete o andamento do trabalho social das associações”, alertou.
O Diretor de Assuntos Jurídicos da Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (Fenacon), Ricardo Monello, fez uma exposição sobre um projeto de regime tributário simplificado para as organizações da sociedade civil – o Simples Social – tendo em vista os diversos tributos atuais e a vulnerabilidade das pequenas fundações.
Cidadania – O presidente do Data Popular, Renato Meirelles, apresentou os resultados da pesquisa “O novo Brasil e o Protagonismo Cidadão: Oportunidades no Terceiro Setor” encomendada pela APF. O diagnóstico revelou que a renda familiar dos 25% mais pobres foi a que mais cresceu no país e que metade dos brasileiros tem renda domiciliar per capita de até R$620 por mês.
Apesar da situação política e econômica do país, 67% dos entrevistados afirmaram que a vida melhorou na última década, enquanto 44% avaliaram que o país avançou no mesmo período. Em relação ao Terceiro Setor, 74% das pessoas disseram ter vontade de realizar trabalho voluntário e 82% afirmaram que se preocupam com o bem-estar social. A confiança nos serviços prestados pelas fundações refletiu na melhor média entre os serviços públicos (3,99), os privados (4,01) e das instituições da sociedade civil (5,03).
A pesquisa mostrou que 71% dos brasileiros concordam que por melhor que seja um governo, ele precisa do apoio de entidades assistenciais para atender bem a população. “Em um cenário de descrédito generalizado no setor público e da percepção de que as empresas privadas só estão interessadas em garantir seus próprios lucros, o brasileiro demanda como nunca o apoio de instituições que de fato sejam suas parceiras na solução de problemas e na melhoria da qualidade de vida”, concluiu a equipe do Data Popular liderada por Renato Meirelles.
Diálogo – No último painel, os palestrantes discursaram sobre a Lei n°13.019 de 2014, o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. Na opinião do consultor jurídico Leonardo Ferres Ribeiro, a legislação apresenta pontos conflitantes e gera dúvidas perigosas sobre a prestação de contas e a especificação do trabalho das associações. Ele criticou o art.25 da legislação que prevê a responsabilidade solidária do dirigente e questionou se a lei tem o propósito de estimular ou controlar o Terceiro Setor.
O Ouvidor Geral do Estado de São Paulista, Gustavo Ungaro, e o Conselheiro do Tribunal de Contas, Sidney Beraldo, defendeu o aperfeiçoamento das técnicas de auditoria, o planejamento estratégico e a valorização dos resultados dos projetos sociais. O advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carlos Ari Sundfeld, lamentou que o Estado mantenha conflitos burocráticos na lei na tentativa de evitar abusos e o uso indevido de recursos e completou afirmando que essa atitude “compromete ainda mais a fragilidade dos pequenos institutos”.
A assessora do Ministro Chefe da Secretaria Geral da Presidência, Laís Figueiredo Lopes, apresentou as etapas de construção participativa do texto do Marco Regulatório, os diagnósticos verificados, as soluções propostas (capacitação e formação de gestores e representantes; certificação; comunicação integrada; estudos e pesquisas), além de lembrar que o tema tem sido discutido no Congresso Nacional desde 2003. Após o segundo adiamento, o novo Marco Regulário deve entrar em vigor a partir do dia 23 de janeiro do próximo ano.
Prêmio Pedro Kassab 2015
A edição deste ano, premiou o professor doutor Fernando Henrique Cardoso na categoria Pessoa Física, e a Fundação Antonio Prudente (A.C. Camargo Câncer Center), na categoria Pessoa Jurídica. O prêmio reconhece as melhores iniciativas em defesa do saber, da ética, da liberdade individual e do bem comum.