Especialistas discutem desafios para inclusão de minorias políticas
Indígenas e negros estão entre as principais vítimas da desigualdade no país
Por: Isabela Alves
Após 30 anos de vivência democrática, o Brasil ainda tem diversos desafios sociais a serem superados. Em um momento em que é necessário debater e compreender a polarização no país, o X Congresso GIFE, que ocorreu entre os dias 4 e 6 de abril, em São Paulo, discutiu como construir, enquanto sociedade, novas agendas e convergências, em um ano de transição, marcado por eleições.
A construção de um país mais inclusivo com suas diversidades
Além da questão econômica e política do Brasil, o evento abordou a questão da inclusão de grupos que sofrem com as grandes desigualdades presentes no país, como indígenas e negros.
Para falar sobre a situação dos povos indígenas no Brasil, o debate recebeu André Fernando Baniwa, vice-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), com sede na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM).
Segundo ele, a nova Constituição proporcionou que os povos indígenas conquistassem direitos e tivessem a oportunidade de refazer a sua história, memória, tradição e demarcações de terras. No entanto, os atuais governantes do país estão criando diversos impedimentos para esses povos, o que gera ainda mais exclusão.
“Eles olham essas demarcações de terras indígenas como se fossem um impedimento ao desenvolvimento do país e não como oportunidade de desenvolvimento sustentável. Hoje, no nosso país, os poderes estão guerreando todos os dias contra os nossos direitos e os diminuindo”, relata.
Apesar de tantas dificuldades, nesses últimos 30 anos, os povos indígenas vêm criando organizações para defender seus direitos constitucionais. O povo Baniwa, por exemplo, tornou-se referência por conta de seu modelo educacional. “A educação do país, promovida por governantes e missionários, não serve para os povos indígenas. Elas só desmatam e empobrecem a cultura milenar dos povos indígenas”.
A Escola Indígena Baniwa e Coripaco EBC (Escola Pamáali), que funciona desde os anos 2000, localizada no Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira (AM), além de ensinar diversas , como matemática, química e geografia, também ensina aos alunos a cultura baniwa. Por conta da sua metodologia, em 2016 o MEC reconheceu a Escola Pamáali como “instituição de referência para inovação e criatividade na educação básica do Brasil”.
André aponta que o projeto só conseguiu funcionar devido ao investimento de parceiros de fora do país. Esse fato levantou a discussão de que os brasileiros só valorizam o que vem de fora e poucas vezes investem em seu próprio potencial.
“Procuramos o apoio de políticas públicas, mas foi uma grande burocracia. O Brasil tem o hábito de que para ser reconhecido e ter credibilidade no seu próprio país, precisa sair para a Europa. A nossa intenção é fazer que o brasileiro seja valorizado no próprio país, e que ele também valorize a cultura e os povos indígenas”, conclui.
Para falar sobre a situação dos povos negros do Brasil, foi convidada Djamila Ribeiro, feminista, acadêmica brasileira, pesquisadora e mestra em Filosofia Política pela Universidade Federal de São Paulo.
Segundo a ativista, é difícil pensar em saídas para as desigualdades que temos no Brasil, quando o racismo é um problema estrutural na sociedade brasileira. No processo de industrialização do país, a população negra teve seus direitos básicos negados e ficou à mercê de uma grande vulnerabilidade social.
“Se hoje nós temos um país totalmente violento para com a população negra, a gente não pode perder de vista a nossa perspectiva histórica e entender como se deu essa formação. Quando falamos em racismo é necessário frisar que esse país foi construído na base da exploração de determinados grupos: os negros e indígenas”, conta.
O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão e a população negra foi totalmente excluída. Ainda hoje, a população negra enfrenta consequências dos três séculos de escravidão, como desigualdade social, exploração, criminalização e racismo.
Panorama da situação política do Brasil
Para se ter uma perspectiva do futuro, é necessário recordar o passado. Com essa ideia, Eduardo Giannetti, graduado em Economia (1978) e em Ciências Sociais (1980) pela USP e PhD em Economia pela Universidade de Cambridge, Inglaterra, realizou um balanço dos desafios e marcos históricos que ocorreram no país nos últimos 30 anos.
Segundo o especialista, o primeiro desafio para o país, que ocorreu na década de 80, foi o processo de democratização. “Foi uma época de idas e vindas, marcada por muitos retrocessos, como a derrota da emenda das Diretas Já”. Para o economista, apesar das diversas dificuldades políticas e econômicas da época, o Brasil também alcançou uma grande vitória: a Constituição Brasileira, criada em 1988.
Já na década de 90, o Brasil enfrentou sérias dificuldades na sua tentativa de consolidar uma moeda estável. “O ciclo de planos fracassados consumiu a sociedade brasileira e quase nos levou à beira de um precipício chamado hiperinflação, que por muito pouco não resultou em tragédias”. O especialista afirma que as altas inflações atingiam diretamente a população de pouca renda, mas, mesmo diante de tantos desafios, o Brasil conseguiu conquistar esse patrimônio fundamental.
Para Eduardo Giannetti, o grande acontecimento dessa magnitude que está ocorrendo na atualidade é a Operação Lava Jato, pois ela escancarou a deformação patrimonialista do Estado brasileiro. “Essa deformação vem desde a nossa formação histórica. A sociedade civil brasileira imagina que vive para servir o Estado, quando é o contrário”, relata.
A operação Lava Jato, que se iniciou em 17 de março de 2014, é a maior investigação sobre corrupção conduzida até hoje no Brasil. A duração permanece imprevisível e até agora foram 1.434 procedimentos instaurados.
“A operação se deu devido aos governantes e autoridades que usam as prerrogativas do poder, não para atender as necessidades da sociedade, mas para se perpetuarem no poder, e as empresas privadas que encontram um atalho para crescer financeiramente e ter acesso a crédito, proteção e contratos. Não é à toa que duas empresas, eu não preciso dar nome aos bois, mas a palavra boi não veio gratuita, convocaram ao Estado nas suas folhas de pagamento”, comenta a respeito do caso das empresas JBS e Odebrecht.