Estudo apresenta formas de reduzir burocracia no 3º setor
Entre as propostas está a criação de um Simples Social para Organizações da Sociedade Civil
Quais os principais entraves tributários para o funcionamento das entidades do terceiro setor? A partir desta questão, o Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (CPJA/FGV Direito SP), em cooperação com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), desenvolveu a pesquisa ‘A tributação das organizações da sociedade civil: Condições de possibilidade para um Simples Social’, lançada oficialmente no último dia 14.
De acordo com o estudo, os dois principais problemas enfrentados são: a alta carga tributária que incide sobre suas atividades, especialmente quando a organização não atua nas áreas de assistência social, educação ou saúde, e o excesso de burocracia para que elas obtenham certificados que garantam o direito à imunidade e à isenção fiscal.
Alguém pode estar se perguntando: mas as ONGs pagam impostos? E a resposta é sim. Claro que elas contam com algumas isenções, mas tudo requer um processo de legitimação da entidade. Além disso, várias instituições comercializam produtos ou serviços para garantirem sua sobrevivência e nessa hora elas pagam tantos impostos quanto empresas com fins lucrativos – ou até mais. Quem explicou isso durante o debate de lançamento da pesquisa, que o Observatório do Terceiro Setor cobriu com exclusividade, foi Marcelo Varella, consultor jurídico da Secretaria da Micro e Pequena Empresa.
Varella exemplificou da seguinte forma: uma ONG pode ter uma livraria própria, para que, a partir da venda de livros, ela tenha dinheiro para manter os projetos sociais. Apesar de essa livraria estar vinculada diretamente à organização sem fins lucrativos, ela é um espaço em que se comercializam coisas e, por isso, ela paga impostos como uma empresa. Esta comercialização é o que chamamos de atividade-meio da ONG. A atividade-fim é composta pelos projetos sociais que ela realiza junto à comunidade na qual está inserida.
A partir dessa explicação, podemos apresentar uma das propostas da pesquisa para favorecer o trabalho das organizações da sociedade civil (OSCs): criar um regime simplificado para o pagamento de impostos e contribuições, uma espécie de “Simples Social”.
A lógica por trás do Simples Social é favorecer as organizações sem fins lucrativos que comercializam produtos ou serviços da mesma forma que o Simples Nacional favorece as micro e pequenas empresas, com redução da carga tributária e da burocracia.
“O que justifica o tratamento diferenciado para as micro e pequenas empresas é a geração de empregos. Fazendo uma comparação, o que nós propomos com a pesquisa é que as organizações da sociedade civil também tenham uma tributação diferenciada, já que elas prestam serviços de interesse público”, explicou Leonel Pessôa, coordenador do estudo.
Outra proposta é ampliar a imunidade para organizações que atuam em áreas como defesa de direitos, cultura e meio ambiente. “Até a década de 1980, apenas uma pequena parcela das organizações atuavam nessas áreas, mas essa realidade mudou”, destaca Pessôa. Hoje, apenas entidades com foco em assistência social, educação ou saúde – considerados os temas tradicionais – têm direito à imunidade.
A terceira e última proposta é criar uma certificação única para as entidades sem fins lucrativos de interesse público, que seja aceita pelas esferas municipal, estadual e federal. Assim, não seriam necessários vários processos diferentes para comprovar que a entidade é legítima e pode receber incentivos fiscais.
Menos burocracia, mais clareza
Para Aline Gonçalves de Souza, coordenadora executiva do programa Estado e Sociedade Civil do CPJA, ao desburocratizar as obrigações tributárias das organizações de interesse social, seria possível criar um ambiente mais seguro e transparente para elas. “Hoje em dia são tantas regras que as entidades muitas vezes não conhecem suas obrigações. As mudanças propostas aqui fariam com que as regras do jogo ficassem muito mais claras”, garante.
Aline também ressalta que o Simples Social poderia ajudar na formalização do terceiro setor, incentivando, por exemplo, a contratação de funcionários, já que as ONGs teriam gastos reduzidos com o INSS.
Como surgiu a pesquisa
A ideia de fazer um estudo para identificar e analisar os principais problemas para o cumprimento das obrigações tributárias pelas organizações da sociedade civil veio da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e da Secretaria-Geral da Presidência da República, que criaram um edital em 2012 para selecionar a instituição que faria a pesquisa.
“Nós acreditamos que é muito importante aproximar a realidade das organizações da sociedade civil e o meio acadêmico. É por isso que temos investido tanto em pesquisas e em debates nos últimos anos”, disse Laís Lopes, assessora especial da Secretaria-Geral da Presidência da República.
Em relação aos resultados deste estudo, Laís destacou que a criação de um Simples Social poderia ser benéfica não só para o terceiro setor, mas também para o Poder Público. “O Simples Social facilitaria a vida das OSCs, incentivaria a formalização do setor e otimizaria a arrecadação do Governo”.
Outros convidados do debate
Além de representantes do Poder Público e do grupo da Faculdade Getúlio Vargas responsável pela pesquisa, o evento de lançamento contou com membros de entidades do terceiro setor, como Aguinaldo Lima, da Cáritas Brasileira; Marcelo Monello, do Conselho de Contabilidade do Estado de São Paulo; e Dora Silvia Cunha Bueno, da Associação Paulista de Fundações.