Feminismo islâmico: a luta das mulheres no Afeganistão e no Paquistão
Entre os países mais perigosos do mundo para as mulheres estão o Afeganistão e o Paquistão, e muitos associam o problema ao fato de serem países de maioria muçulmana. Para especialistas, a verdadeira raiz do problema está no patriarcado, e é possível ser uma mulher muçulmana feminista
Por: Isabela Alves
Uma pesquisa divulgada pela Thomson Reuters Foundation, em 2018, apontou os 10 países mais perigosos para as mulheres. Entre eles estão o Afeganistão e o Paquistão, países vizinhos que estão em conflito há anos.
Apenas entre 2001 e 2015, cerca de 149 mil pessoas morreram no conflito entre o Afeganistão e o Paquistão. Em 2019, com dezoito anos de duração, a guerra em território afegão se tornou o conflito mais longo já travado pelos Estados Unidos em sua história.
Consequentemente, essa crise humanitária também teve impacto nas tradições locais. Nesta reportagem, conversamos com duas especialistas, uma delas paquistanesa, para falar sobre os direitos das mulheres e a sua relação com a religião.
Por que não associar religião à violência?
No Afeganistão, entre os principais perigos que cercam as mulheres estão a violência sexual, o baixo acesso à saúde e o baixo acesso a recursos econômicos.
A religião predominante do país é a muçulmana, também chamada de Islã. Olhando pelo aspecto dos direitos femininos, essa foi a primeira religião no mundo que deu o direito ao divórcio e o direito ao voto para a mulher, em pleno século 7.
Entretanto, depois do ataque às Torres Gêmeas, do World Trade Center, nos Estados Unidos, a crença acabou sendo alvo de discriminação e foi associada ao terrorismo.
Francirosy Campos Barbosa, antropóloga e professora da Universidade de São Paulo (USP), aponta que para discutir sobre o feminismo islâmico é necessário também olhar a violência com que os Estados Unidos destruíram o Afeganistão, já que existe um interesse econômico muito grande naquela região. Não apenas isso, há um interesse em colonizar a região, os corpos, a estrutura social e a própria religião.
“O Afeganistão era um país onde as tradições e costumes eram transmitidos através da comunicação oral antes da guerra. Após a invasão, tudo mudou”, diz
Ela afirma que não há fundamentos na religião muçulmana que justifiquem a discriminação contra as mulheres e a violência. Segundo a especialista, o machismo estrutural faz com que a sociedade enxergue que essas mulheres estão sendo silenciadas, quando, na verdade, elas estão lutando de maneiras diferentes.
“Cada grupo social tem as suas pautas, portanto, o que muitas mulheres muçulmanas consideram ser o feminismo, não necessariamente se aplica a outras religiões. A religião em si prega a igualdade de gênero e proteção das mulheres”, conta.
A antropóloga aponta que grupos que justificam ações violentas com base no Alcorão não conhecem os ensinamentos do profeta Mohamed. Um exemplo disso foi o caso de Farkhunda Malikzada.
Em 2015, a mulher de 27 anos foi brutalmente assassinada por uma multidão em Cabul. Ela foi espancada com paus e pedras até a morte por um grupo, composto em sua maioria por homens, após ter sido acusada de ter queimado uma cópia do Alcorão.
Após o linchamento, vários protestos foram feitos e os acusados foram levados a julgamento. Apesar de alguns condenados terem suas sentenças diminuídas e outros já até terem saído da prisão, é importante ressaltar que o crime foi registrado por conta de mulheres feministas que estavam usando burcas.
“A luta e a resistência podem não ser explícitas, mas mesmo assim, não devemos diminuir a força dessas mulheres ou dizer o que elas devem fazer”, explica Francirosy.
A antropóloga diz que a violência contra a mulher pode acontecer de maneiras veladas ou explícitas, mas que elas ocorrem cotidianamente em toda a sociedade no geral, porque estamos cada vez mais doentes e violentos.
A violência também se encontra no Brasil, já que o país registra uma agressão contra a mulher a cada quatro minutos, e um feminicídio a cada oito horas. “Em países islâmicos e não islâmicos, essas são questões que devem ser debatidas. É preciso separar o que a religião diz do patriarcado”.
A islamofobia acaba estigmatizando os muçulmanos em todo o mundo. Barbosa reflete que é necessário evitar associar a religião à violência, já que esses estereótipos também atingem as mulheres.
“Muitas pessoas olham as mulheres de lenço e já relacionam a violência. Grupos violentos existem, mas eles não advém da religião. A violência oprime os grupos minoritários desde que o mundo é mundo”.
A luta das mulheres do Paquistão
Segundo o levantamento da Reuters, o Paquistão é o sexto país mais perigoso para as mulheres no mundo. Além das mulheres sofrerem por conta da discriminação e violência patrimonial, elas também enfrentam riscos por conta de práticas culturais, como os chamados “crimes de honra”.
Afiya Shehrbano Zia, autora do livro ‘Faith and Feminism in Pakistan: Religious Agency Or Secular Autonomy?’, aponta que, ao mesmo tempo que pesquisas como esta medem indicadores de violência, elas não expõem a resistência e força das mulheres, não apenas paquistanesas, mas de todas que vivem no sul da Ásia.
“As políticas masculinas e privilegiadas foram mantidas no país desde os patriarcados coloniais. Por conta dos sucessivos regimes militares, ficou muito difícil reverter a opressão implementada por políticas econômicas neoliberais e práticas patriarcais tradicionais, mas os movimentos femininos têm resistido desde o início”, diz.
Graças às estratégias de movimentos feministas, em especial o Women’s Action Forum, o Paquistão foi o primeiro país do sul da Ásia a aprovar a Lei de Assédio Sexual, em 2010. Para alcançar o feito, as ativistas trabalham em parceria com parlamentares, chefes individuais de comissões e forças-tarefa.
“As mulheres tiveram que lutar contra as leis baseadas em direitos do Estado, mas conseguiram. Entre os obstáculos enfrentados foram a polícia, guardiões da comunidade e os sistemas informais de justiça. Foi preciso criar métodos de infiltração para mudar o sistema. Mas, acima de tudo, mulheres individuais corajosas conseguiram desencadear mudanças”, relata.
Figuras importantes como as ativistas de direitos humanos Mukhtar Mai e Malala Yousafzai estão lutando por mudanças legais e novas políticas para mais igualdade. Zia aponta que o trabalho de parlamentares, ONGs, coletivos locais e de jornalistas também estão desempenhando um papel histórico forte para transformações sociais promissoras.
A maioria das leis e políticas do Paquistão foi moldada de acordo com o Islã, o que significa que não pode haver nenhuma lei que esteja em contradição com a religião.
No entanto, a escritora ressalta que é preciso entender que, em qualquer país ou crença, a violência contra a mulher é consequência do machismo. O parlamento e os conselhos são dominados por homens, portanto, é preciso lutar por mais cargos públicos e estatais, que atualmente são dominados por homens.
“A palavra ‘Islã’ significa paz, e é uma religião que prega valores como caridade, amor e perdão. Buscar a igualdade entre os sexos também se trata de respeitar as mulheres de todas as religiões”, conclui.
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