Escola Família Agrícola: o acesso à educação para jovens do campo
Além das disciplinas convencionais, estudantes de Escolas Família Agrícola têm ensino técnico em agropecuária e são incentivados a colocar em prática em suas comunidades o que aprendem nos dias de internato
Por: Isabela Alves
A Escola Família Agrícola (EFA) é uma iniciativa que utiliza a Pedagogia de Alternância, um método de ensino que foi pensado especialmente para os estudantes que vivem no campo.
Este sistema, que foi criado na França em 1935, no povoado de Lot-et-Garonne, busca fazer com que o estudante tenha a constante troca de conhecimentos entre o seu ambiente familiar e a escola.
No Brasil, a metodologia chegou em 1969 no estado do Espírito Santo, onde foram construídas as três primeiras Escolas Família Agrícola. Atualmente, existem cerca de 150 delas em todo o país.
Normalmente, os estudantes de uma EFA ficam sempre uma semana na escola, que funciona como um colégio interno, e uma semana em casa. Em algumas escolas, o período em cada lugar é de 15 dias.
Essas escolas seguem a Base Nacional Comum Curricular do ensino médio estabelecida pelo Ministério da Educação (MEC) e oferecem ensino técnico em agropecuária, que envolve matérias sobre agroecologia, manejo animal, agricultura e agroindustrialização.
Escola Família Agrícola de Cruzília (EFAC)
A Escola Família Agrícola de Cruzília, situada no sul de Minas Gerais, é a única da região. Ela foi criada em 2006, com uma turma de 30 estudantes e já formou mais de 250 alunos que moram em 20 municípios da região, incluindo estudantes da Zona da Mata Mineira, do Sul de Minas e do Campo das Vertentes.
Adelson Resende Messias, de 42 anos, é um dos professores da escola. Para ele, o que diferencia a EFA das escolas tradicionais são os instrumentos pedagógicos, que buscam maior integração entre a escola e a comunidade.
“Cada estudante tem uma realidade complexa e por conta disso eles não seriam tratados da mesma maneira nas escolas tradicionais. Aqui eles encontram a teoria e quando vão às comunidades a colocam em prática”, diz.
Os adolescentes vivem em regime de internato, e a escola conta com uma estrutura com dormitórios e áreas de recreação. A escola está localizada em uma grande área verde e todas as atividades são feitas em conjunto.
Até a manutenção da escola, como a pintura das paredes, por exemplo, é realizada em um mutirão com estudantes, monitores, professores e funcionários.
Além das aulas teóricas, os alunos realizam diversas atividades práticas. Eles são divididos em grupos e ficam responsáveis por diversos projetos, como plantação de horta, alimentação de bois, plantação de mudas e a criação de coelhos.
Adelson afirma que muitos destes estudantes não queriam continuar os estudos, porque não se encaixavam nas escolas tradicionais, tanto por elas estarem longe da sua realidade quanto por estarem distantes demais de suas casas para fazer o trajeto todos os dias.
“A escola é o vínculo destes alunos com o meio rural. Ela é adaptada à sua realidade, porque eles corriam o risco de não aprender por conta do cansaço”, conta.
Depois de formados, alguns alunos buscam o nível superior e a inserção no mercado de trabalho, mas a maioria dá continuidade aos trabalhos dos pais.
Os principais mantenedores da escola são os responsáveis pelos adolescentes, mas a escola também conta com a ajuda do poder público e possui parceria com a iniciativa privada.
Escola Família Agrícola da Serra Gaúcha (EFASERRA)
A Escola Família Agrícola da Serra Gaúcha já possui uma rede com quatro escolas. Neste regime, os estudantes passam uma semana na escola e a outra junto à família. Atualmente, são 180 alunos matriculados, residentes de 25 municípios da região.
Israel Matté, de 40 anos, é professor e diretor da escola, que foi criada em 2015 e está localizada em Caxias do Sul, município localizado no nordeste do estado do Rio Grande do Sul.
Ele conta que os profissionais da instituição, por terem um contato tão constante e direto com os alunos, criam fortes laços afetivos com eles.
“Os professores acabam fazendo o papel dos pais muitas vezes, porque o contato é muito direto. Nós lidamos com os conflitos desses jovens e também damos suporte emocional”, relata.
De acordo com Matté, a necessidade de criar a Escola Familia Agrícola surgiu em 2013, quando os moradores começaram a questionar a possibilidade de os filhos adolescentes não terminarem o ensino médio, porque não sabiam como conciliar os estudos com a vida no campo.
“A vida rural é uma realidade diferente e muitos não poderiam acompanhar o ritmo de uma escola regular. Essa escola também é importante, porque é um espaço onde os alunos convivem com outros agricultores. É como se eles falassem a mesma língua, pois em outro lugar eles poderiam até ser motivo de chacota”, explica.
Além dos estudos, eles ficam responsáveis por todo o cuidado da escola, como a manutenção dos banheiros, e a limpeza das suas roupas.
A maioria dos alunos trabalha com os seus pais, então na instituição eles aprendem o que é necessário para ficarem com as terras e continuar o legado da família. Em 90% dos casos, os estudantes continuam cuidando das suas propriedades após o término dos estudos.
Apesar dessa alta taxa de alunos que continuam na vida rural, a escola os incentiva a fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) para terem mais possibilidades.
A escola recebe apoio do poder público, sindicatos, cooperativas e empresas.
Escola Família Agrícola de Orizona
Antônio Pereira de Almeida, de 57 anos, é agricultor, licenciado em filosofia e cantador popular. Ele trabalha como voluntário na Escola Família Agrícola de Orizona, localizada em um município no sudeste do estado de Goiás, e acredita que o grande diferencial das Escolas Família Agrícola é a formação integral e profissional que ela proporciona.
“A espinha dorsal da escola é o plano de estudo, onde o aluno leva um questionário da escola para a sua comunidade. Todo o conhecimento que ele adquire em ambos os ambientes, ele coloca em prática. Isso mantém as pessoas no campo ligadas à sua profissão e com acesso à educação de qualidade”, afirma.
Também no regime de internato, os alunos passam uma semana na escola e uma semana com a sua família, e 50% da população atendida nesta escola é do campo.
“É uma escola que condiz com a realidade do aluno. Muitas escolas comuns só pensam em passar o conteúdo para que o aluno tire boa nota e não se preocupam realmente com o aprendizado”, diz Antônio.
No dia a dia, o professor diz realizar rodas de conversas com os jovens sobre diversos temas, desde os dilemas da vida e questões éticas, até plantas medicinais e o cerrado brasileiro.
No caso da EFA de Orizona, muitos alunos decidem ingressar no ensino superior, normalmente para seguir carreiras em áreas que envolvem o campo, como engenharia ambiental, veterinária e agronomia.
No total, a escola já formou 300 alunos e tem 84 estudantes atualmente. A meta agora é expandir a escola e a metodologia para que mais jovens do campo tenham a oportunidade de se profissionalizar. “Eles saem da escola para se tornar cidadãos”, conclui.
Marcos Gonçalves
22/03/2021 @ 17:19
Acredito ser de grande utilidade, prática e teórica. Fui criador do primeiro curso Técnico em Administração Rural , no governo Blairo no MA.
Sou médico veterinário e vejo que o jovem tem se distanciar das áreas urbanas nas não dá tecnologia.
Vendo isso , me animo a criar uma Escola assim e tem mais . Com o contato que tenho com Embrapa e outras empresas de outros ramos . Podem ter um TCC apoiado por eles.
Jorge Pardim
23/05/2022 @ 11:13
Bravo!