Encurralados pelo agronegócio, indígenas têm alta taxa de mortes por covid
Entre fevereiro e outubro de 2020, a taxa de mortalidade por covid-19 entre os indígenas Xavante foi quase cinco vezes maior do que na população brasileira em geral
Nas últimas décadas, o agronegócio vem cercando as terras indígenas Xavante. Houve uma diminuição das áreas para cultivo, pesca e caça. Hoje, o território corresponde a pequenas ilhas verdes, rodeadas de soja e gado e, em especial, soja.
De acordo com a cacica Carolina Rewaptu, com a intensificação dos plantios de soja no entorno das terras indígenas, hoje não há mais recursos naturais para se fazer artesanato, tampouco raízes medicinais para tratamentos de saúde.
“Antes, a paisagem era mais fechada. Agora mudou muita coisa. Vimos essas mudanças”, explica Carolina, que nasceu em 1960 – década em que a tomada de terras por fazendeiros se intensificou, no âmbito do projeto de colonização incentivado pelo Estado brasileiro e que recebeu amplo apoio da ditadura militar.
O estrangulamento do território afetou também a alimentação tradicional dos Xavante, que foi sendo substituída por produtos industrializados. A vulnerabilidade alimentar e de saúde causadas pela degradação ambiental que acompanha o agronegócio ficou particularmente visível durante a pandemia de covid-19. A população Xavante foi uma das etnias que mais sofreram e perderam vidas para o vírus.
Um dado acerca da elevada taxa de mortalidade entre os Xavante chamou a atenção de pesquisadores da área da saúde. O Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Xavante apresentou uma taxa de 341 mortes por 100 mil habitantes, entre a nona e a quadragésima semana epidemiológica — ou seja, no intervalo entre os dias 23 de fevereiro e 3 de outubro de 2020.
A título de comparação, neste mesmo período, a taxa de letalidade para a população geral brasileira foi de 69,5 mortes por 100 mil habitantes. Isso significa que a mortalidade do novo coronavírus na população Xavante foi quase cinco vezes maior do que na população em geral.
Essas informações constam em um estudo publicado por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entre outras instituições de pesquisa, que utilizou dados compilados pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
O estudo aponta também para uma enorme discrepância entre as mortes registradas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, e os dados compilados pela Coiab, o que indica uma elevada subnotificação nos dados oficiais sobre casos e mortes pela covid-19 entre indígenas.
Enquanto a Sesai aponta que 330 indígenas morreram no período analisado, para a Coiab foram 670 mortes. Entre os fatores que explicam essa diferença, o estudo ressalta a negação da identidade dos indígenas mortos pela covid-19, que, principalmente quando se contaminam e vêm a óbito na cidade, são registrados como pardos.
Aline Alves Ferreira, epidemiologista especialista em nutrição, diz que a baixa atenção médica, a falta de saneamento e as condições ambientais criadas pelo agronegócio, afetam, diretamente, as formas de alimentação dos indígenas. A descrição que ela faz do território Xavante é avassaladora: “Tem aqueles pastos, ali: soja, soja, soja, soja. Aí, de repente, quando começa a terra indígena, a vegetação muda completamente”.
Os Xavantes continuam sua luta pela sobrevivência e protestam no Planalto Central. Com corpos pintados de tintas preta e vermelha, feitas de urucum e carvão, e adornados com brincos e pulseiras, indígenas Xavante carregam faixas. “Povo xavante não é agronegócio. Terra livre” e “Povo Xavante é contra o PL 490 e marco temporal” são algumas das frases escritas nos cartazes.
Fonte: El País