Lutas e mortes: grito de independência não libertou Brasil dos colonizadores
Ao contrário de todo o resto do país, a independência é comemorada na Bahia no dia 2 de julho
A independência do Brasil não veio imediatamente depois do famoso grito de independência de Dom Pedro às margens do rio Ipiranga, como a maioria dos brasileiros aprendeu nas escolas. Um exemplo é o estado da Bahia, que na manhã do dia 2 de julho de 1823, quase dez meses depois do Grito do Ipiranga, os baianos finalmente puderam comemorar a independência. Ao contrário de todo o resto do país, a independência é comemorada na Bahia no dia 2 de julho, que marca a reconquista da capital — de longe, a mais animada festa cívica brasileira.
O gesto de Dom Pedro pouco mudou a situação de várias províncias do país, que continuavam comandadas por Portugal.
A situação havia se agravado em dezembro de 1821, quando em um decreto das cortes, reproduzido no Correio Braziliense, Portugal nomeou 11 portugueses para governar as províncias brasileiras. “Uma nomeação de todos os Governadores das Armas ao mesmo tempo: nenhum brasileiro”, advertiu o jornal, antevendo como a medida seria recebida.
Quando os soldados baianos, enfim, souberam no dia 19 de fevereiro (as notícias chegavam à velocidade de vela) que seriam governados pelo general português Ignácio Luiz Madeira de Melo — e não mais pelo brasileiro Manuel Pedro de Freitas Guimarães — se aquartelaram no Forte São Pedro dispostos a saírem de lá apenas quando a medida fosse revogada. Ignácio Madeira mandou bombardear o forte.
O resto da história é o início da Guerra da Independência da Bahia. Em meio ao conflito inicial, que se estendeu pelas ruas da cidade, estima-se que cerca de 240 pessoas morreram, levando os brasileiros a fugirem de Salvador para cidades próximas no Recôncavo Baiano.
A primeira a aderir à causa foi Santo Amaro da Purificação. Mas foi na margem esquerda do rio Paraguaçu, na cidade de Cachoeira, onde ocorreram as primeiras batalhas contra os portugueses.
Quando a Câmara da cidade aderiu à causa de Dom Pedro no dia 24 de junho, os portugueses usaram uma canhoneira contra os brasileiros que comemoravam em praça pública, matando na hora um soldado que tocava tambor. Enquanto a canhoneira disparava, portugueses entrincheirados atiravam contra os baianos, que revidaram com espingardas de caça e um velho canhão fora de uso.
Após três dias de confronto, os brasileiros conseguiram cercar a canhoneira com canoas e pequenos barcos, obrigando os portugueses a se render, sem comida e munição, no dia 28 de junho. Apesar de vitórias assim, as tropas baianas pareciam ter quase nenhuma chance, formadas por gente faminta, descalça e exposta a doenças.
Por duas vezes, os portugueses tentaram romper o cerco. A primeira, no dia 8 de novembro de 1822, resultou na maior batalha da independência do Brasil, a de Pirajá, a cerca de 10 quilômetros do centro de Salvador.
Quando a inglesa Maria Graham, mais conhecida pelos britânicos como Lady Callcott, autora de livros infantis, esteve no Brasil durante os anos da independência para ser preceptora de Maria da Glória, filha de Dom Pedro, fez questão de conhecer a baiana Maria Quitéria de Jesus, voluntária das tropas brasileiras na Guerra da Independência.
Com roupa masculina fornecida por um cunhado, apresentou-se ao batalhão Voluntários do Príncipe, mais conhecido como Batalhão dos Periquitos, pela cor verde da farda. Ela teria participado de vários confrontos diretos, tendo se destacado nas batalhas de Pirajá e em Itaparica, quando os portugueses tentavam romper o cerco a Salvador.
Na manhã do dia 2 de julho de 1823, quase dez meses depois do Grito do Ipiranga, os baianos finalmente puderam comemorar a independência.
Maria Quitéria tornou-se o símbolo da resistência baiana e chegou a ir ao Rio de Janeiro para ser apresentada pessoalmente ao imperador, ocasião em que a inglesa Maria Graham a conheceu. Apesar da fama conquistada, Maria Quitéria levou uma vida pacata ao voltar à Bahia. Casou e teve filhos. Morreu aos 56 anos de idade, em 1853.
Fonte: Aventuras na História/ UOL