Professor de espanhol boliviano administra clube de doadores de sangue
O boliviano Alfredo Quiroz, de 56 anos, diz já ter doado sangue 308 vezes e vem motivando brasileiros a serem doadores também. Ação se tornou uma campanha de vida após a morte do sobrinho
Por: Mariana Lima
Alfredo Quiroz doou sangue pela primeira vez aos 22 anos. Eram doações ocasionais, sempre acompanhadas de amigos. Mas, a morte de seu sobrinho Carlos mudou sua percepção sobre a importância da doação de sangue.
O jovem de 14 anos morreu devido a complicações de uma pneumonia desenvolvida pouco após vencer a leucemia. Foi no quarto em que estava internado no Hospital Sírio-libanês que o sobrinho mudou a vida do tio.
Durante a visita da família, ele propôs dois pactos: o primeiro era para que todos se reencontrassem no céu um dia; e o segundo que continuassem mobilizando pessoas a doarem sangue. A família havia se esforçado para conseguir sangue para ele ao longo do seu tratamento.
Alfredo, que é professor de espanhol, ficou comovido ao ouvir o último desejo do sobrinho, mas ele já era sensível às causas sociais desde a infância, passada entre a Bolívia, seu país natal, e o Brasil.
Era comum que Alfredo acompanhasse os pais até a favela de Paraisópolis, em São Paulo, quando o casal doava alimentos para os moradores e levava médicos e dentistas para atendê-los.
Alfredo cresceu e seguiu o exemplo dos pais, mas em outra área. Aos 56 anos, ele diz já ter doado sangue 308 vezes, todas anotadas num caderno. Tem várias cicatrizes internas no braço causadas por tantos furos de agulha.
Contudo, demorou cinco anos para que Alfredo cumprisse a promessa feita ao sobrinho. Em uma de suas idas ao Hospital Sírio-Libanês para doar sangue, ele ouviu da esposa que era hora de fazer algo maior e mais organizado.
Com o incentivo ele criou, em 2004, o Clube de Doadores ADV, um projeto que começou pequeno, com 15 doadores fixos. Para isso, o professor de espanhol fez contato com bancos de sangue de todo o Estado de São Paulo e convocou líderes de células, como ele chama – pessoas que fazem parte de lugares como empresas, igrejas e faculdades – para serem responsáveis por grupos de doadores em suas cidades.
Extremamente organizado, Alfredo administra tudo. Vive conectado ao WhatsApp 24 horas por dia, recebendo contato de pacientes, dos bancos de sangue dos hospitais e dos líderes das células.
Cabe a ele receber os pedidos, agendar o dia das doações e providenciar transporte para os grupos, sempre de 15 doadores, e passar as informações para os líderes.
Quando não está dando aulas de espanhol para executivos, dedica todo o seu tempo ao projeto. Mas vive com a sensação de que pode fazer mais. Até porque, segundo o Ministério da Saúde, apenas 1,6% dos brasileiros são doadores de sangue.
Há 17 anos, o clube colhe os frutos da persistência de Alfredo e dos colaboradores que fazem todo o trabalho de forma voluntária. Hoje conta com 10.650 doadores ativos. Entre março do ano passado e abril deste ano, foram quase 8 mil doações, suficientes para 31.728 pessoas.
Vale ressaltar que para conseguir seguir nessa empreitada, Alfredo precisou vencer o trauma de agulha, que ele desenvolveu aos três anos, quando sofreu um choque anafilático.
Para tornar o medo suportável, o professor de espanhol faz o exercício de pensar que com uma única doação ele pode salvar quatro vidas.
Em 2020, Alfredo também precisou lidar com o medo dos outros, como o medo dos familiares dos doadores de que eles contraíssem o novo coronavírus. Isso fez com que o número de doações caísse no início da crise sanitária.
Para contornar o problema, o professor de espanhol reduziu o tamanho dos grupos para quatro pessoas, passou a agendar o horário das doações para evitar aglomerações e frisou a importância do uso de máscara e álcool em gel.
Mas o transporte feito por carros de aplicativos, que passou a substituir as vans, era caro e a organização não estava conseguindo bancar as despesas.
Por outro lado, Alfredo ficou surpreso com os doadores que continuaram, com outros que chegaram ao saber da situação crítica nos bancos de sangue e com o aumento das doações em dinheiro.
Assim, enquanto o Ministério da Saúde tem observado uma queda de aproximadamente 20% nas doações, o Clube de Doadores ADV ultrapassou a marca de 20 mil pessoas atendidas, registrada nos anos anteriores, para 30 mil durante a pandemia.
O resultado foi possível devido à ajuda de parceiros que reforçaram essa corrente durante a crise: ciclistas da organização Seven Bikers, que formaram grupos em outras regiões do país, como Goiânia, Distrito Federal e Xinguara, no Pará.
Com o tempo, os doadores perceberam que os hospitais não eram centros de Covid e se sentiram seguros, já que nenhum foi infectado durante a pandemia. Então, os grupos voltaram a ter 15 pessoas e o transporte por vans alugadas trouxe um alívio econômico para o clube.
Fonte: ECOA | UOL