Profissão invisível: a luta dos garis por mais respeito e valorização
Conheça as histórias de três garis que ganharam visibilidade nas redes sociais e que lutam para que toda a categoria seja mais valorizada
Por: Isabela Alves
Todos os dias, os garis lutam por mais visibilidade. Esses profissionais trabalham nas ruas, faça chuva ou faça sol, e são fundamentais para a limpeza das cidades, mas são também vítimas de discriminação social.
A última pesquisa feita sobre a invisibilidade dos profissionais de limpeza no Brasil foi publicada em 2012. Produzido pelo Dieese, o estudo revelou que 25% dos funcionários desta área relataram casos de preconceito. Essa taxa é de 42% entre os garis. Do total dos entrevistados, 73% se declararam pretos e pardos.
Apesar das dificuldades diárias e do grande esforço físico, muitos garis têm orgulho do trabalho que desenvolvem, principalmente por contribuir com o meio ambiente.
O gari que encantou o Rio de Janeiro com seu samba
Era uma tarde de sexta-feira e os termômetros marcavam 42 graus. Era dia 2 de outubro de 2020. Valdo Luiz Marques da Conceição, de 53 anos, estava andando pela Rua São José, próximo da Avenida Rio Branco, no centro do Rio de Janeiro, e pensava em parar o seu expediente para almoçar.
Ao ver a rua muito suja, decidiu continuar varrendo. Foi nesse momento que ouviu o saxofonista e artista de rua Emerson tocando ‘Flor de Lis’, do músico brasileiro Djavan, e se envolveu com a melodia.
A vassoura se transformou em uma parceira de dança. Valdo começou a varrer, a girar e a sambar com muita alegria. O momento foi tão contagiante que foi registrado em vídeo por uma senhora que estava saindo de uma igreja na região.
O vídeo viralizou nas redes sociais e foi compartilhado na conta oficial do músico Djavan, com a legenda “Cenas do Rio de Janeiro”. “Minha primeira reação foi de espanto, mas o vídeo levantou o astral da galera. Por isso é importante pensar positivo e colocar alegria em tudo o que você faz, independente da sua função”, conta Valdo.
Valdo afirma que sempre teve o sonho de se tornar gari. Ele trabalhava como vigilante, mas decidiu largar tudo para ir para as ruas. Em 2000, ele prestou o concurso público, passou pelas provas físicas e psicológicas, e foi chamado no ano seguinte.
Ele começa às 7h da manhã e trabalha em um turno de oito horas. São 1.800 metros de varrição, durante seis dias da semana. Para ele, todos os momentos são únicos. “Eu tenho a filosofia de que o lixo é como uma onda do mar: todos são diferentes”, conta.
Apesar de trabalhar caminhando, Valdo ainda participa de uma maratona de 14,5 km duas vezes por semana. Ele também é apaixonado por rodas de samba e espera que a pandemia acabe logo para voltar a dançar ao som de seus artistas favoritos, como o Raça Negra e Péricles.
“A dança surgiu na minha vida em festas da infância, do colégio e bailes da antiga. Fui tomando gosto pela coisa e esse amor foi crescendo na minha família. A dança nos motiva e também é uma forma de deixar o corpo em movimento. É uma alegria na minha vida”. Ele também se sente honrado pela sua dança ter dado mais visibilidade à toda a categoria de profissionais.
O gari que se tornou influenciador digital de reciclagem
Giorggio Abrantes Pordeus, de 37 anos, nasceu em Aparecida, no sertão da Paraíba. Criado pelo avós, ele descreve a sua infância como um momento difícil, mas no qual não lhe faltou carinho.
Ele já trabalha como gari há dez anos. “Havia poucas vagas e poucas pessoas com interesse, logo era um emprego menos concorrido. Por não exigir um grau de escolaridade muito alto, eu tinha esperanças de conseguir”, conta.
Giorggio acorda todos os dias às 04h30 da manhã e trabalha meio expediente pela parte da manhã, já que o sol da tarde no nordeste é intenso. No início, ele se sentia discriminado, por as pessoas da cidade não valorizarem essa profissão. Apesar de ser um tipo de trabalho essencial, esses profissionais sofrem com a falta de incentivo e de material.
Quando era jovem, teve problemas com o álcool. Essa situação levou ao fim de seu casamento. Depois de perder a família e se encontrar no fundo do poço, ele se internou em uma clínica de reabilitação durante 6 meses. “Por conta deste mal, eu acabei conhecendo a reciclagem”, diz.
3 meses depois de terminar o tratamento, ele passou a fabricar vassouras recicláveis com garrafas pet. Logo, ele teve a ideia de criar o canal no Youtube ‘Gari Ecológico’ para postar tutoriais e incentivar mais pessoas a ter atitudes sustentáveis.
Três anos após a publicação do seu primeiro vídeo, ele já possui mais de 111 mil inscritos e conta com mais de 7 milhões de visualizações.
“Os vídeos eram feitos de maneira improvisada no quintal da minha casa alugada. Com a visibilidade, passei a ter um novo sonho: de criar uma oficina, onde poderia colocar meus maquinários”, conta. Além disso, no espaço ele poderia promover capacitação gratuita para que catadores da região possam conseguir uma renda extra.
Comovido com a sua história, o portal Razões Para Acreditar promoveu uma vaquinha online na qual arrecadou mais de 19 mil reais para a construção do espaço.
E as criações de Giorggio foram tomando outras formas. Através da reciclagem, ele já criou uma tábua de cortar legumes com tampas de garrafa, espanador de teto, um varal feito com garrafas pet e até um amplificador de som com garrafas pet.
Para ele, a sustentabilidade deveria ser ensinada na escola, já que, muitas vezes, o que é considerado lixo pode ser reutilizado. Além disso, a população deve aprender a fazer o descarte correto. “Os fabricantes têm foco no lucro, mas não falam sobre descarte. Se não tem mais uso, tudo deve ser enviado para a reciclagem”.
Agora ele tem o sonho de fazer palestras, dar aulas para pessoas em situação de vulnerabilidade social e também criar uma empresa para vender seus produtos.
Através da reciclagem, ele melhorou a sua renda e está ajudando o meio ambiente. Ele também recuperou a sua família (esposa e dois filhos) e superou o vício do álcool há 6 anos. “Abra o seu coração e os olhos para a reciclagem. Consuma menos e recicle mais. Todos temos que ser agentes do meio ambiente”, conclui.
O gari que pediu por mais visibilidade e teve a sua vida transformada
Rafael Rodrigues, de 37 anos, sempre teve uma vida de muita luta. Nascido em Belo Horizonte, Minas Gerais, e criado apenas pela mãe, ele começou a trabalhar ainda muito cedo para ajudar na renda da casa e na criação dos cinco irmãos.
Há dois anos, por conta do grande índice de desemprego no Brasil, ele decidiu se tornar gari. No início, ficou receoso por conta do preconceito. Muitos amigos garis já passaram pela situação de estar sentados no metrô e as pessoas não sentarem ao seu lado. Apesar do medo, ele necessitava do trabalho, então seguiu em frente.
Rafael acorda às 07h30 da manhã, trabalha até as 16h e corre de 15 km a 20 km todos os dias, seja nos tempos frios e chuvosos, ou nos dias de calor escaldante.
Sua história teve atenção nacional com um vídeo que viralizou na internet. No registro, ele pede por mais valorização para todos os trabalhadores da categoria: “Com coronavírus, sem coronavírus, nós tamo aí, tá? Na coleta, correria, tirando seu lixo pra evitar mais proliferação de doença enquanto vocês estão dentro de casa na quarentena, beleza? Dá valor pra rapaziada que tá no corre aí”.
Para ele, a pandemia fez com que esses profissionais fossem mais valorizados, já que eles estão correndo risco na linha de frente. Há três meses, Rafael também infectado pelo novo coronavírus e teve de ficar afastado da esposa e dos dois filhos, de 1 e 5 anos.
Seu vídeo também foi encontrado pelo portal Razões Para Acreditar. A equipe do portal promoveu uma vaquinha online para ajudá-lo na reforma da sua casa. Foram mais de R$ 17 mil em doações.
“Um vídeo de 30 segundos mudou a minha vida, então acredite que nunca é tarde para seguir os seus sonhos. Valorize os garis, porteiro, motoboy e motorista de ônibus, porque eles são essenciais assim como os profissionais da saúde. Vamos ter mais empatia e não olhar apenas para a roupa que uma pessoa veste ou o cargo que ela ocupa”.
No momento, Rafael está fazendo um curso para ser técnico de enfermagem e garante que, mesmo depois de se tornar um profissional da saúde, continuará lutando pela visibilidade dos garis.
Para conhecer alguns garis que mantêm páginas no Instagram sobre a profissão, clique aqui.