Projeto ajuda na proteção territorial de povo indígena do sul do Pará
Projeto do WWF-Brasil promove proteção territorial do povo Kayapó-Mebêngôkre, que sofre ameaças de invasores e garimpeiros
Por Laura Patta
Um projeto do WWF-Brasil, em parceria com a Associação Floresta Protegida (AFP), está contribuindo para a proteção das Terras Indígenas (TI) do povo Kayapó-Mebêngôkre, localizadas no sul do Pará. As terras MKayapó e Menkragnoti ficam na região do “Arco do Desmatamento”, e formam uma barreira contra o desmatamento da floresta amazônica em seu limite sudeste.
Os moradores das Terras Indígenas têm sofrido há décadas com a pressão de invasores – em geral madeireiros, garimpeiros e pescadores ilegais. Por isso, o projeto tem o objetivo de melhorar a capacidade de monitoramento e vigilância desses territórios.
Cerca de 4,5 mil pessoas vivem na TI Kayapó, que tem 3,3 milhões de hectares. Já a TI Menkragnoti tem pouco mais de 1,2 mil habitantes, em quase 5 milhões de hectares. Além do povo Kayapó – ou Kayapó-Mebêngôkre, como eles se autodenominam – alguns grupos de indígenas isolados também ocupam as terras.
De acordo com Osvaldo Barassi Gajardo, especialista em conservação e líder do núcleo de respostas emergenciais do WWF-Brasil, há um contexto de pressões e ameaças de atividades predatórias, como garimpo, pesca ilegal e extração de madeira na região, o que instigou a criação do projeto.
Segundo ele, há três bases de vigilância apoiadas pela AFP localizadas estrategicamente nos territórios, em locais de acesso nos rios Xingu, Riozinho e Iriri.
Gajardo destaca que o fortalecimento de estratégias de monitoramento de atividades ilegais é fundamental para que os próprios indígenas possam coletar evidências a fim de realizar denúncias qualificadas aos órgãos competentes.
O novo projeto irá contribuir com equipamentos como GPS, tablets, computadores portáteis, motores de popa de 40 HP para os barcos dos indígenas e motores de popa do tipo rabeta, que são menores, apropriados para períodos em que os rios estão mais rasos. O projeto também está ajudando a aperfeiçoar um sistema de coleta e sistematização de dados das bases de vigilância.
A liderança O-é Kaiapó Paiakan, da aldeia Krenhyedjá na TI Kayapó, explica que o monitoramento territorial tem uma importância tão grande para os povos indígenas que pode ser considerado parte da cultura deles. O-é conta que todos os indígenas já nascem com o objetivo de lutar pela vida, pelo território e pelo seu povo.
“Faz parte da nossa tradição os guerreiros irem até os limites da TI, em expedições a pé ou de barco, para monitorar os locais e mapear as ameaças”, relata O-é. Ela acredita que a tradição de vigilância foi impulsionada pela AFP por meio dos equipamentos doados.
A estruturação das bases de vigilância e a realização das expedições permite a presença constante dos indígenas em áreas sensíveis para a dissuasão dos invasores. O-é ressalta que só por ocuparem o espaço já estão garantindo uma proteção.
“Como nossa área é muito grande e temos grande pressão externa, esses projetos são fundamentais. É importante estarmos capacitados e podermos agregar novas técnicas ao procedimento que já fazemos para proteção do território”, frisa ela.
De acordo com Igor Ferreira, assessor técnico da AFP, a associação – que é uma organização indígena do povo Kayapó – atua na região sul do Pará, nas TIs Kayapó, Menkragnoti e Las Casas, há cerca de 20 anos. Desde 2016, foi preciso implementar uma nova estratégia de monitoramento territorial, por conta do aumento das pressões de invasores.
Ferreira explica que um dos pilares dessa nova estratégia é o funcionamento das bases de vigilância em pontos de acesso estratégicos onde equipes indígenas atuam com acompanhamento de equipes não-indígenas para auxílio na parte logística e no estabelecimento da comunicação da base com a coordenação na cidade.
Ele explica que o WWF-Brasil entrou no projeto como um parceiro capaz de complementar as estratégias que já vinham sendo adotadas pela AFP permitindo, por exemplo, que fossem comprados motores para as expedições fluviais. A parceria também garante o funcionamento das bases por vários meses, com os recursos para pagamento dos indígenas.
De acordo com Ferreira, as equipes indígenas revezam-se para operar as bases e recebem um pagamento pelo serviço. Assim, a iniciativa consegue proteger o território e gerar renda para as comunidades que vivem ali.
A atual líder do povo Kayapó, a assistente social O-é Kaiapó Paiakan, de 37 anos, é uma das filhas do cacique Paulinho Paiakan. um dos pioneiros do movimento indígena no Brasil. Ela foi escolhida como líder em 2021.
O cacique, que faleceu em 2020, vítima da Covid-19, foi uma grande inspiração para a filha. Ele ficou conhecido por sua luta pela inclusão dos direitos indígenas na Constituição Federal de 1988, pela demarcação da Terra Indígena Kayapó, obtida em 1991, e contra o projeto da Hidrelétrica de Belo Monte.
“Meu pai fez esse caminho e com ele aprendi que lutar por nosso território e por nosso povo é uma condição para a nossa própria existência como indígenas”, afirmou O-é. A proteção das Terras Indígenas onde vivem os Kayapó depende hoje da conscientização, segundo ela.
“Tentamos mostrar aos parentes que, se trocarem sua terra por vantagens instantâneas, vão acabar sem nada: sem território e sem identidade. Como meu pai foi uma referência de liderança no movimento indígena, é a memória dele que vou levar adiante agora que essa liderança está comigo”, declarou ela.