A gastronomia como ferramenta social que revela grandes estrelas

Por Luccio Oliveira

O Brasil é um dos principais nomes quando o assunto é gastronomia. Restaurantes e chefs renomados são reconhecidos pelo país à fora por exaltarem ingredientes locais e mobilizarem uma indústria que hoje emprega mais de 1,8 milhões de pessoas e representa 19,8% do PIB brasileiro.

Tornar-se chef, trabalhar em uma grande cozinha ou empreender na gastronomia pode parecer um sonho distante para muitas pessoas em vulnerabilidade em um país continental e desigual como o Brasil, mas, por meio da gastronomia social, essa realidade se torna mais acessível.

No Instituto Capim Santo (ICS), uma Organização Não Governamental fundada há quase 15 anos pela chef Morena Leite, a qual presido há mais de 5 anos, a gastronomia é uma poderosa ferramenta de transformação social. Mais de 7.500 alunos já tiveram suas realidades transformadas pelo projeto Cozinha do Amanhã, que forma pessoas em vulnerabilidade para atuar na área da gastronomia.

Isaías Brito dos Santos é um deles. Assim como muitos jovens do interior do Brasil, tinha poucas perspectivas de vida. Filho de produtores rurais, o caminho mais certo era ele também não sair da zona rural de Itacaré, cidade baiana onde nasceu. Porém, a fome de aprender e de escrever o próprio rumo de vida levo-o, em 2017, a inscrever-se na primeira turma do curso Cozinha do Amanhã.

Não satisfeito com os 4 meses de curso, e com vontade de aprender ainda mais, ele voluntariou-se a ser assistente da chef/professora. Após o curso, começou a trabalhar na cozinha de um hotel local, e, mesmo morando na zona rural, conseguia tempo para dar assistência à professora por quase 2 anos. Era o primeiro a chegar e o último a sair.

Com a ida da professora para Portugal, a diretoria do ICS não teve dúvida, alçou-o a professor titular na cozinha de Itacaré, atividade a qual ele compartilhava ainda com a sua função de chef assistente no restaurante do Hotel Barracuda (um dos melhores da região).

Durante a pandemia da COVID-19, também cozinhou para pessoas em situação de vulnerabilidade que foram mais atingidos pela emergência. Junto com a equipe do Instituto Capim Santo, produziu milhares  de quentinhas, que matou a fome de seus conterrâneos por meses.

Após 2 anos como chef/professor, Isaias aceitou um grande desafio e se tornou professor do Instituto Capim Santo em São Paulo. Topou sem nem pensar. Saiu da Bahia e chegou em SP em pleno inverno. Para quem nunca tinha andado de avião e nunca tinha se distanciado de sua família por muito tempo, foi um desafio gigantesco. Enfrentar a supermetrópole, um frio que nunca tinha sentido, saudade dos seus… nenhum fator foi forte o suficiente para fazê-lo arrepender-se da troca.

Há quase 2 anos na capital paulista, além de crescimento pessoal, ajudando-o a tornar-se cada vez mais dono de si, o crescimento profissional foi impressionante. Já teve a experiencia de ter ido, em nome do ICS, para a Nicarágua, pelo projeto Brasil em Sabores que o instituto tem em conjunto com o Itamaraty, e lá fez o treinamento da equipe de cozinha da embaixada brasileira e dos professores das faculdades de gastronomia do país.

Recentemente, abraçou o desafio de, ao lado da Chef Morena Leite, ajudar na produção do jantar oferecido pelo presidente Lula, para os presidentes dos países da América do Sul.

Mas Isaias não para. O desejo de aprender é muito, e ir além é o que ele carrega na alma. Mesmo nas suas férias entre uma turma ou outra, ele faz estágios em restaurantes renomados como Meats (um dos melhores e premiados hamburgueres do Brasil), Selvagem (que fica dentro do Parque Ibirapuera), Peti, Baru Mariqueria e, recentemente, no Sushi Vaz, um dos melhores no quesito sushi de São Paulo.

Essa é uma história que demonstra na prática o poder transformador da gastronomia. Assim como o Isaías, outros alunos e alunas estão começando os cursos do Cozinha do Amanhã neste ano de 2024. Teremos aulas em São Paulo, Rio de Janeiro, Trancoso e Salvador. As expectativas são as melhores e uma certeza fica: em breve terei mais histórias inspiradoras para compartilhar!

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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.

Sobre o autor: Luccio Oliveira, Presidente do Instituto Capim Santo desde 2019. Original de Ilhéus – BA, onde se formou em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de Santa Cruz, teve seu primeiro contato com a gastronomia nos Estados Unidos, onde trabalhou em diversos cargos em redes de restaurantes. Como formação, é gestor de empresas na área de seguros e formou-se em gastronomia com extensão na Espanha.