Do café ao fentanil: A estagnação do debate sobre drogas no Brasil
Por Rodrigo Fonseca Martins Leite
O cérebro humano é um órgão imediatista com grande dificuldade de adiar recompensas e pensar em consequências negativas. Desta forma, quando comemos compulsivamente, apostamos, gastamos excessivamente ou usamos substâncias, estamos usufruindo o momento sem preocupações com o amanhã. A espécie humana tem um erro de projeto pois, é vulnerável a se tornar dependente de comportamentos relacionados ao prazer ou a evitação do desprazer.
Evidências arqueológicas nos comprometem desde a pré-história: produção e consumo de bebidas alcóolicas na China há quase 9.000 anos, cabelos de múmias Incas com traços de psicodélicos, alcaloides da folha de coca e nicotina e cogumelos do gênero psilocybes presentes nas cerimônias religiosas dos Astecas e Maias. Não há como esconder estes flagrantes.
Nesta perspectiva, pode-se afirmar que o uso de substâncias psicoativas, legais ou ilegais é indissociável da cultura humana e não é factível assumir que isso terá fim algum dia. Décadas de proibição das drogas geraram mortes, crescimento da corrupção e crime organizado, violência institucional e policial e aumento vertiginoso da população carcerária no país – a quarta maior do mundo. A descriminalização do uso e do porte de pequenas quantidades de drogas poderia atenuar o peso da lei, especialmente entre jovens pardos e negros de baixa renda nas infinitas periferias brasileiras.
Quando uma substância é ilegal, não há qualquer regulamentação por parte do estado. Assim sendo, os consumidores de determinada droga não têm garantia do que estão utilizando e isto por si só gera riscos adicionais à saúde. Sabe-se por exemplo, que a cocaína nos EUA tem sido adulterada com fentanil, o que contribui para o aumento das mortes por overdose. A testagem de drogas presente em alguns países permite que os usuários saibam exatamente o que estão consumindo. No Brasil, remédios para verminose são misturados a cocaína.
Esta discussão não almeja minimizar os riscos do uso de substâncias: o álcool e o tabaco são de longe as drogas que mais matam e geram doenças em todo o mundo. O uso excessivo de maconha é particularmente perigoso na adolescência, aumentando o risco de psicoses. Medicamentos indutores de sono como o zolpidem são o combustível prescrito de uma epidemia silenciosa no Brasil. O crack e a cocaína se associam a vulnerabilidade social, exposição à violência e morte precoce.
Por outro lado, a autorização para pesquisar substâncias ilegais tem permitido descobrir que psicodélicos como a psilocibina e o MDMA podem ser a esperança para pessoas com transtornos mentais graves como a depressão e o transtorno de estresse pós traumático e que a maconha medicinal pode ser utilizada em pacientes com dor crônica e epilepsias refratárias.
No Brasil, a demonização, a repressão e o pânico moral relacionados às drogas impedem que gerações de jovens sejam educadas adequadamente desde cedo. Sabe-se que a iniciação no uso de drogas começa com os exemplos em casa quando os pais fumam ou bebem em excesso. Sabe-se ainda, que quanto mais precoce é a idade de início de uso, mais graves serão as consequências futuras. Mas a sociedade se cala às vésperas do uso abusivo do fentanil no Brasil – um opioide 100 vezes mais potente do que a morfina. Varremos essa discussão para debaixo do tapete! Terceirizamos para a área da saúde, da segurança pública e partidos políticos, uma responsabilidade que é coletiva. A sociedade brasileira precisa se apropriar deste tema e engajar-se em discussões pragmáticas. Afinal, a droga da negação é a mais nociva de todas.
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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.
Sobre o autor: Rodrigo Fonseca Martins Leite é médico psiquiatra pelo IPq HCFMUSP, mestre em políticas públicas e serviços de saúde mental, produtor da mídia social “psiquiatra da sociedade”.