Repórteres do Observatório ganham prêmio voltado à diversidade
O Prêmio Neusa Maria de Jornalismo visa reconhecer a diversidade e valorizar o trabalho feito por pessoas não brancas e pessoas trans
Por: Júlia Pereira
No último final de semana, as repórteres Isabela Alves e Mariana Lima, do Observatório do Terceiro Setor, ficaram entre os vencedores do 1° Prêmio Neusa Maria de Jornalismo.
A premiação foi criada por repórteres negros e apoiada pelo Alma Preta, agência de jornalismo especializado na temática racial do Brasil.
Entre as pessoas homenageadas, 97% são negras (pretas ou pardas), uma é afro-indígena, uma é amarela/asiática e duas brancas, ambas transexuais.
O objetivo, de acordo com os organizadores, é “valorizar o jornalismo profissional feito por pessoas não brancas e por pessoas trans”, uma vez que as minorias étnicas e de gênero são, normalmente, deixadas de fora das grandes e médias redações.
No mercado de trabalho, os números evidenciam a falta de diversidade. Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), no Brasil, apenas 22% dos jornalistas com carteira assinada em 2015 eram negros.
“Como estudante, ter uma produção reconhecida desta forma é algo fantástico. Na faculdade, você acaba tendo muitos momentos de dúvida sobre o que quer fazer e como construir uma carreira. E as premiações parecem algo distante. ‘Quem sou eu para ganhar algo?’. Então, ao ver meu nome naquela lista, percebi que existe valor no que estou fazendo e nas histórias que posso contar”, diz Mariana Lima, que, com 21 anos, está prestes a se formar na área.
A baixa representatividade no jornalismo brasileiro vai contra a realidade. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pessoas negras são maioria no país, representando 55,3% da população.
“Torço para que surjam mais premiações como esta, para que cada vez mais as redações incluam pessoas das periferias, negros, mulheres, pessoas LGBT, indígenas, nordestinos etc.”, ressalta Isabela Alves.
A maioria dos homenageados pelo Prêmio Neusa Maria de Jornalismo é mulher, com 59,6%, enquanto os homens representam 39%. Entre os vencedores, há uma mulher trans e uma pessoa trans não binária. As informações para inscrições são autodeclaratórias. Isso significa que há casos de pessoas trans que preferiram identificar-se apenas pelo gênero pelo qual transacionaram.
“Premiações que valorizam a diversidade são fundamentais para que novas vozes do jornalismo sejam ouvidas e alcançadas. Além de sair do eixo SP-RJ, as premiações precisam abandonar a tendência de premiar apenas jornalistas brancos, homens, cis e de grandes veículos. O Prêmio Neusa Maria apenas revela que tem muito profissional bom fora destas características fazendo jornalismo de qualidade”, afirma Mariana.
A DIVERSIDADE NO TRABALHO DAS JORNALISTAS
Isabela foi homenageada pela publicação da reportagem ‘Feminismo islâmico: a luta das mulheres no Afeganistão e no Paquistão’. Segundo ela, a ideia de falar sobre o tema surgiu após a leitura de ‘O livreiro de Cabul‘, um livro-reportagem da jornalista norueguesa Åsne Seierstad, que, em 2002, após a queda do regime talibã, passou três meses na casa de um livreiro da capital do Afeganistão e mostrou como o machismo afeta a vida das mulheres naquele país.
“Quando lembrei deste livro, comecei a pesquisar várias coisas na internet sobre a violência contra as mulheres em países como Afeganistão e Paquistão. E percebi que as reportagens sobre o tema feitas por brasileiros sempre atribuíam toda a culpa à religião. Tentei mostrar na minha reportagem que a raiz do problema não está na religião, que existem mulheres muçulmanas feministas, e que o machismo é o verdadeiro motivo pela grande violência contra a mulher”, explica.
Com a reportagem, Isabela conta que pôde aprender ainda mais sobre o feminismo em países e realidades tão diferentes do Brasil.
“Essa reportagem foi uma das que mais me fizeram aprender, porque toda a minha pesquisa caiu por terra quando eu comecei a falar com as entrevistadas. Elas me ensinaram muito, que o feminismo também é sobre você respeitar as outras mulheres, a religião delas e não as julgar”, conta.
A reportagem que resultou na homenagem a Mariana conta a história de mulheres que recolhem materiais recicláveis pelas ruas de São Paulo. A repórter acompanhou a rotina das catadoras, o que possibilitou observar e conhecer situações do cotidiano delas.
“Nem todo mundo pode tirar um dia, acompanhar uma catadora e entender a sua rotina. Dar espaço para os profissionais da reciclagem falarem é fundamental para que se construa o respeito à profissão, algo que já deveria vigorar na sociedade. Uma coisa que a Maura e outras fontes me passaram foi a questão do xingamento e até agressões contra os catadores com e sem carroça, principalmente no trânsito. Acredito que quanto mais a temática for abordada, mais o cenário poderá mudar de forma positiva”, conta a repórter, que deseja continuar atuando em prol da diversidade no Jornalismo.
“Acredito que no cenário atual é cada vez mais relevante quebrar a hegemonia das mídias jornalísticas. Construir uma rede diversa de fontes, principalmente especialistas, e ouvir quem vive a situação já é um passo nesta direção”, afirma Mariana.
O desejo também é compartilhado por Isabela: “Quero continuar trabalhando com diversidade, sim, porque eu acho que esse é um tema recorrente. Desde que o mundo é mundo essas coisas acontecem, então cada vez mais a gente tem que expor isso, lutar por mais direitos, para que a gente tenha uma sociedade mais igualitária”, finaliza.