Empreendedores da periferia se unem pelo desenvolvimento local
A Agência Solano Trindade, no bairro do Campo Limpo, em São Paulo, reúne iniciativas culturais desenvolvidas por pessoas da região
Por: Isabela Alves
Uma pesquisa elaborada pelo Instituto Data Favela e divulgada pelo The Huffington Post revela que quatro em cada dez moradores de favelas brasileiras têm vontade de empreender. Entre os moradores que pretendem ter o próprio negócio, 63% querem empreender dentro da comunidade onde vivem.
O levantamento também aponta que mais da metade (56%) dos moradores de favelas que pretendem empreender pertencem à classe C. Mais de 50% deles têm 25 anos e são casados, sendo 51% mulheres e 49% homens.
Neste cenário de crescimento da vontade de empreender nas comunidades, nasceu em 2009 a Agência Solano Trindade. A agência foi o primeiro coworking brasileiro voltado especificamente para empreendedores da periferia.
Localizada no distrito do Campo Limpo, zona sul de São Paulo, a Solano Trindade reúne iniciativas de diversos segmentos: de literatura marginal a moda e gastronomia, passando pela produção de eventos culturais. Segundo Thiago Vinicius, criador da agência, a Solano Trindade visa dar apoio para que esses empreendimentos possam se desenvolver, prosperar e gerar renda para a comunidade.
“A periferia hoje é o centro das atenções. O descolado, o ‘lifestyle’ é vir para a periferia. É comer uma feijoada, sentir o samba, colar em um baile funk, conhecer pessoas e projetos incríveis. A cada dia a periferia vem mostrando que é possível a diminuição da violência através da cultura”, diz.
Em 2019, a agência completa 10 anos de ação com mais de 300 pessoas integradas. Para Thiago, esse marco representa muito para a comunidade, já que eles pararam de estar só nas páginas policiais e começaram a ocupar as culturais.
“Hoje o tráfico oferece para o jovem tudo o que a gente poderia oferecer, que é apoio e geração de renda. As pessoas têm a visão que o jovem entra no tráfico enganado, mas não. Ele entra porque precisa comprar comida para casa. Por isso iniciativas como a nossa são importantes: a gente acredita que é importante apoiar a juventude periférica”, explica.
Ainda falando sobre os riscos que rondam os jovens da periferia, Thiago chama a atenção para a alta taxa de homicídios contra jovens, principalmente negros e moradores de áreas afastadas do centro e das regiões ricas.
De acordo com dados do último Atlas da Violência, em 2016, a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros (16% contra 40,2%). Outro dado alarmante, este divulgado pelo Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência, apontou que o risco de um jovem negro ser vítima de homicídio no Brasil é 2,7 vezes maior do que o risco de um jovem branco. Já o Anuário Brasileiro de Segurança Pública identificou que 76,2% das vítimas de ação letal da polícia são negras. Todos esses dados constam no Atlas da Violência.
Vale também citar que, segundo um relatório da Anistia Internacional, em 2017 o Brasil liderou o número de assassinatos de jovens negros do sexo masculino, no mundo.
Pessoas negras (pretas e pardas) também são as principais vítimas da desigualdade social no país. De acordo com o IBGE, pretos e pardos recebem salários menores e são mais afetados pelo desemprego, o trabalho infantil e o analfabetismo.
“A gente tem que se inconformar todos os dias por estar na cidade mais rica da América Latina e ter tanta desigualdade. É preciso encarar as pessoas da periferia como protagonistas e não como atendidas”, conclui Thiago.
El Choque Produções
Jaime, conhecido como Diko, é produtor cultural do El Choque Produções e produz vários eventos culturais no espaço, como rodas de samba e sarau de poesias. Conhece a Agência Solano Trindade desde a sua inauguração e, para ele, o espaço é um ponto de encontro de várias culturas e troca de conhecimentos.
“Aqui a gente valoriza as histórias não contadas. A escola só valoriza o dia que o Brasil foi descoberto e outras coisas que não têm nada a ver com a gente. A gente não se reconhece. A gente aprende que em 13 de maio [de 1888] ocorreu a libertação dos escravos. Mas o que que é isso? Foi a princesa Isabel que nos libertou? Foi Pedro Álvares Cabral que descobriu o Brasil?”, ironiza.
Diko lembra que, no início do século 20, era comum os sambistas serem enquadrados na Lei da Vadiagem por simplesmente andarem com um pandeiro na mão. Na época, o ritmo era associado à violência dentro das comunidades.
“Nossa cultura sempre será marginalizada, porque não é a cultura ‘deles’. Fizeram isso com o samba, rap, a capoeira, e agora com o funk. Isso é uma coisa que já vem historicamente”.
Grafite Contra a Enchente
Rodrigo de Souza Dias, conhecido como Gamão, tem o projeto Grafite Contra Enchente. Criado em 2015, ele tem o objetivo de revitalizar as áreas destruídas pela chuva na região do Campo Limpo.
Segundo o artista, a iniciativa visa também conscientizar a população sobre a sua qualidade de vida, além de reforçar a ideia de que o grafite pode ser um instrumento de reflexão e manifesto social.
“A gente tem que exercer o nosso papel de fazer a cultura acontecer. A gente reúne vários grafiteiros de vários estados e países para um final de semana de arte na comunidade. Tem teatro, música, dança, feira cultural, gastronomia, entre outros. Isso não pode parar”, diz.