Nobel da Paz discute caminhos para combater o trabalho infantil
O indiano Kailash Satyarthi participou de um evento em SP, ao lado de autoridades e membros de OSCs
Por trás de coisas que compramos o tempo inteiro sem muita reflexão podem estar a privação de liberdade, a dor e o sofrimento de crianças. Um chocolate pode esconder o trabalho infantil no cultivo do cacau, realizado por crianças que estão fora da escola e nem sequer conhecem o sabor do doce que ajudam a produzir. Uma bola de futebol pode ter sido costurada por um menino ou uma menina que nunca teve o prazer de jogar bola. Foi com exemplos assim, não hipotéticos, mas testemunhados por ele, que Kailash Satyarthi, ativista da luta contra o trabalho infantil desde 1980 e vencedor do Nobel da Paz em 2014, conversou com o público durante um debate promovido em São Paulo, nesta quarta (27/01).
O evento foi organizado pelo Instituto Ethos, o Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (InPacto) e outras entidades, como o Tribunal Superior do Trabalho, e reuniu representantes de órgãos públicos, empresas, organizações da sociedade civil e cidadãos em geral interessados no assunto.
De acordo com Kailash, é fundamental que saibamos o que estamos consumindo, não só pensando na qualidade do produto em si, mas também na existência ou não de responsabilidade social durante toda a cadeia produtiva. Afinal, quando nos negamos a comprar aquilo que foi feito com trabalho infantil ou forçado, estamos ajudando a combater esses problemas.
“Temos que eliminar completamente o trabalho infantil”, ressaltou mais de uma vez durante o evento, sempre destacando que esta é uma missão de todos nós.
Inteligência compassiva
O principal conceito apresentado como solução pelo Nobel da Paz foi o de inteligência compassiva. Trata-se de aliar inteligência e compaixão.
No contexto econômico, isso significa que não existe problema em se usar a inteligência para ganhar dinheiro, contanto que o lucro não seja o principal – e muito menos o único – objetivo. “A economia não é um fim, é um meio. E há um objetivo social muito importante que deve fazer parte dela”, afirmou Kailash. Ou seja, são necessários negócios que se preocupem com o bem-estar das pessoas, que promovam o desenvolvimento social.
A inteligência compassiva também deve ser usada para criar políticas públicas que visem não só a resultados imediatos, mas a melhorias duradouras, que beneficiarão as futuras gerações.
Educação
Além de defender o fim do trabalho infantil, Kailash luta pelo direito das crianças à educação de qualidade. A própria ONG fundada por ele em 1980, a Bachpan Bachao Andolan (Movimento para Salvar a Infância) não se limita a libertar crianças e adolescentes vítimas de trabalho forçado. Ela também oferece abrigo e educação para parte das vítimas resgatadas e promove a reintegração delas às suas famílias, sempre que há condições para que sejam recebidas de volta de forma digna.
O indiano fala até em quanto dinheiro seria necessário para garantir a educação de todas as crianças que hoje se encontram fora da escola, no mundo: 22 bilhões de dólares. “O que são 22 bilhões de dólares para o mundo? Não é tanto quando se pensa nos benefícios.”
Outros convidados
Entre as personalidades que dividiram a mesa de debates com Kailash estava Lélio Bentes, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em sua fala, Bentes destacou a amizade de longa data com o indiano vencedor do Nobel e as altas quantias em dinheiro que o trabalho escravo contemporâneo movimenta.
“O trabalho forçado gera 150 bilhões de dólares de lucro por ano, no mundo”, afirmou, citando dados da Organização Internacional do Trabalho. O valor coloca esse tipo de crime como o terceiro mais lucrativo, perdendo só para o tráfico de drogas e de armas.
Boa parte desse resultado se deve ao fato de “os produtos manchados pelo trabalho escravo chegarem ao mercado com preços vantajosos”, como explicou o ministro. Muitas pessoas preferem simplesmente comprar o mais barato, mesmo que não saibam qual a procedência do produto e o verdadeiro preço que está por trás dele.
Também representando o CNJ estava Marcos Fava, membro da Comissão nacional de erradicação do trabalho infantil da Justiça do Trabalho.
É preciso unir forças
Algo comum na fala de todos os componentes da mesa foi a necessidade de Poder Público, empresas e organizações da sociedade civil se unirem para combater o trabalho infantil. Isso já está sendo feito no Brasil e trouxe uma série de resultados nas últimas duas décadas.
De acordo com Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos, desde 1995, quando o governo brasileiro reconheceu a existência de trabalho infantil no país, as próprias empresas fizeram um movimento para acabar com esse tipo de trabalho.
Além das ações do governo e do meio empresarial, a sociedade civil também se engajou na luta contra a exploração infantil e o trabalho forçado como um todo e assim os números começaram a cair de forma significativa.
Enquanto em 1995, 18,7% dos brasileiros entre 5 e 17 anos trabalhavam, em 2013, a porcentagem havia caído para 8,4%. Mesmo assim, 3,5 milhões de crianças e adolescentes ainda trabalham de forma ilícita no país.
“Somos um caso de sucesso [no combate ao trabalho infantil], o que não significa que já não haja o que ser feito”, admitiu Tereza Campello, Ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Para ela, quatro fatores podem explicar a queda na porcentagem de brasileiros trabalhando antes da idade permitida por lei: a existência de um marco legal que define e proíbe o trabalho infantil, a elaboração de estatísticas sobre o assunto, a cooperação entre várias organizações públicas e instituições da sociedade civil, e a criação de políticas públicas efetivas para combater o problema.
A ministra também chama atenção para “a nova cara do trabalho infantil no Brasil”. Se na década de 1990, a imagem que resumia esse tipo de atividade era a de uma criança pequena, magra, extremamente pobre, fora da escola e que trabalhava para ajudar no sustento da família, hoje a imagem seria de um jovem entre 13 e 17 anos, de uma família nem tão pobre e que trabalha nos comércios de pais e tios para ter o próprio dinheiro.