Os avanços e desafios trazidos por leis recentes no 3º Setor
Chamado Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil e lei que permite remuneração de dirigentes estão entre responsáveis pelas principais mudanças dos últimos anos
De 2014 para cá, o Brasil ganhou pelo menos três leis que afetam diretamente as entidades sem fins lucrativos. E o Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo (CRCSP) recebeu um seminário no último dia 6 de junho que as discutiu. O evento reuniu mais de 250 pessoas e contou com palestrantes da área de contabilidade e direito.
Destas três leis, a primeira e mais famosa é a 13.019/14, conhecida como Lei de Fomento e de Colaboração ou Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), embora muitos especialistas afirmem que ela não é tão inovadora e completa a ponto de receber este último nome.
A Lei de Fomento e de Colaboração estabelece novas regras para as parcerias entre organizações sem fins lucrativos e órgãos da administração pública em todas as instâncias – federal, estadual e municipal -, e visa aumentar a transparência destas relações.
Apesar de recente, no entanto, ela já recebeu uma série de críticas e foi alterada pela Lei 13.204/15, que nasceu justamente para resolver pontos considerados problemáticos em leis envolvendo o Terceiro Setor. No caso da lei do chamado Marco Regulatório, as alterações foram várias e dividem opiniões.
Para Marcelo Roberto Monello, conselheiro do CRCSP, as alterações tornaram a Lei 13.019/14 mais prática. Já para Airton Grazzioli, promotor de justiça do Ministério Público de São Paulo, curador de Fundações no estado e colunista do Observatório do Terceiro Setor, as mudanças “esvaziaram” a lei. “Houve um esvaziamento da lei no sentido em que a grande maioria dos recursos públicos ficou fora da sua abrangência. A aplicação efetiva vai se dar a um número muito reduzido de recursos que são repassados pela União, os estados e os municípios para as organizações da sociedade civil”, disse em entrevista.
A terceira lei abordada no seminário e da qual falaremos em mais detalhes abaixo é a 13.151/15, que também foi criada para alterar leis já existentes e que trouxe como principal novidade a permissão expressa de que fundações e associações assistenciais remunerem seus dirigentes sem perderem benefícios por isso.
Em busca de transparência
A Lei 13.019/14 nasceu da necessidade de aumentar a transparência na relação entre Poder Público e Terceiro Setor, a fim de evitar não só desvios de verbas públicas de fato, mas também desconfiança por parte da população. De acordo com Monello, por causa de uma minoria de organizações corruptas, os cidadãos e mesmo os representantes de órgãos públicos passaram a ver com certa suspeita as entidades sem fins lucrativos.
“Esta legislação é muito calcada na necessidade de divulgar informações e de fazer isso com qualidade”, explicou Monello. Assim, não basta ser uma organização séria, é preciso comprovar isso diante dos órgãos fiscalizadores e dos cidadãos, prestando contas – o que, colocando em termos simples, significa mostrar o que foi feito com cada parte do dinheiro recebido.
Para se ter uma ideia do detalhamento da lei (após as alterações), se, por exemplo, o seu projeto prevê o pagamento de profissionais, é preciso divulgar na internet a folha de pagamento.
Tipos de parcerias previstas
A Lei de Fomento e de Colaboração prevê três tipos de parcerias entre organizações da sociedade civil e órgãos públicos. A primeira é o termo de colaboração, quando a proposta parte da administração pública e há transferência de recursos. A segunda é o termo de cooperação, quando a proposta parte da sociedade civil e há transferência de recursos. E, por fim, há o acordo de cooperação, quando a parceria não envolve transferência de recursos financeiros.
Requisitos para celebrar uma parceria
Entre as principais exigências a ser atendidas estão a de que a organização tenha objetivos voltados à promoção de atividades e finalidades de relevância pública e social; tenha experiência prévia na execução de projetos semelhantes ao objeto da parceria; e tenha instalações, condições materiais e capacidade técnica e operacional para o desenvolvimento das atividades previstas no projeto. Além disso, a organização precisa existir há um tempo mínimo, que vai de um a três anos, de acordo com a esfera com a qual está buscando a parceria.
Papel da contabilidade
Para Monello, “a contabilidade é o pilar da sustentabilidade das organizações da sociedade civil”. Isso, porque ela não só vai garantir que o dinheiro seja aplicado da melhor forma possível, como também vai servir para comprovar que a instituição atua dentro da legalidade.
Seja para obter títulos, manter isenções ou firmar parcerias, os documentos contábeis são sempre parte fundamental do processo. Por este motivo, o contador aconselha que as entidades levem sempre em consideração as despesas contábeis na hora de montar o projeto. E não só elas, mas todas as possíveis despesas que o desenvolvimento das atividades descritas podem demandar, por pequenas que sejam.
“O segredo do sucesso de toda essa parceria está no projeto”, afirma. Para ele, quando o projeto é benfeito, a organização não tem problemas para cumprir o combinado e prestar contas.
Remuneração de dirigentes
Se alguém te perguntasse se a remuneração de dirigentes de organizações da sociedade civil é proibida, o que você responderia? Muita gente acredita que é. Mas nunca existiu uma lei que a proibisse de fato. O que existia era uma série de restrições às entidades que optavam por esse modelo. Restrições que iam desde a perda do direito à imunidade ou à isenção tributária até a impossibilidade de obter certas titulações e certificações.
Com mudanças implementadas por leis recentes, no entanto, e aí vale destacar a 13.151/15, essa realidade começa a mudar. A lei deixa explícito que é permitido remunerar dirigentes de fundações e de associações assistenciais, e que isso não implicará restrições.
“A Lei 13.151/15 foi uma revolução na questão da remuneração de dirigentes”, afirma Airton Grazzioli. Para ele, deixar claro na legislação que a diretoria executiva pode ser paga para desempenhar seu trabalho ajudará a promover a profissionalização do Terceiro Setor, já que será possível ter pessoas capacitadas trabalhando em período integral pelo desenvolvimento da entidade.
Apesar de reconhecer a nova lei como tão importante, ele também aponta um problema nela: o fato de não deixar claro o que são “associações assistenciais”, permitindo várias interpretações. “A gente sabe de uma forma muito clara quais são as associações que certamente são assistenciais, e também quais certamente não são assistenciais. Mas há um grande número de entidades que fica numa zona cinzenta”, diz. Ele acredita, no entanto, que uma nova lei pode resolver o problema, o que daria maior segurança jurídica às entidades.
Lançamento de livro
O seminário fez parte do evento de lançamento do livro ‘Organizações da Sociedade Civil: Associações e Fundações – Constituição, funcionamento e remuneração de dirigentes’, assinado por Airton Grazzioli, José Eduardo Sabo Paes, Marcelo Henrique dos Santos e José Antonio de França.
Para saber mais
É possível baixar um PDF com os principais pontos da Lei 13.019/14, já com as alterações da Lei 13.204/15: http://goo.gl/oqlf7D.
A Abong dedicou um de seus boletins à Lei 13.204/15: http://goo.gl/EPQwnC.
No ano passado, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e um Grupo de Estudo instituído por ele lançaram o ‘Manual de Procedimentos para o Terceiro Setor – Aspectos de Gestão e de Contabilidade para Entidades de Interesse Social’. É possível baixá-lo gratuitamente no link http://goo.gl/hQetNa.