Ao ajudar amigas, ela criou o primeiro fundo para mulheres negras do país
Aline Odara tinha costume de ajudar amigas criando vaquinhas de financiamento coletivo. Com isso, ela criou o Fundo Agbara, o primeiro fundo para mulheres negras do Brasil, que já realizou mais de 1.800 atendimentos
Por Juliana Lima
“Eu queria que outras mulheres negras sentissem o que eu estava sentindo”, é assim que Aline Odara define o que a levou a criar o Fundo Agbara, o primeiro fundo filantrópico para mulheres negras do Brasil, criado em 2020, em plena pandemia do coronavírus. Na época, Aline havia acabado de ser contratada para ser professora em uma escola da prefeitura de Campinas, saindo da situação de desemprego. Ela conta que, graças a esse emprego, conseguiu ajudar sua família financeiramente e também ter segurança para pensar a longo prazo e investir em si mesma. “A garantia das contas pagas me deu uma potência criativa”, diz Aline.
De origem humilde, ela se formou em Ciências Sociais sendo bolsista, mas teve que trabalhar desde cedo para se manter na faculdade, já que havia precisado se mudar para uma área mais nobre da cidade. Foi assim que ela formou uma rede de apoio com amigas e amigos também bolsistas e que tinham vivências parecidas com as suas. Como tinha costume de realizar “vaquinhas” para arrecadar fundos, Aline acabou, naturalmente, organizando essas campanhas também para suas amigas.
Em 2020, na mesma época em que Aline se sentia bem e segura, uma amiga lhe pediu uma máquina de costura emprestada para enfrentar a pandemia e ela pensou em promover mais uma vaquinha. No entanto, se sentiu envergonhada por já ter realizado tantas outras campanhas anteriormente. A ideia veio daí: “se eu juntar 20 amigos doando 20 reais por mês, durante um ano, eu vou ter 400 reais para contemplar uma mulher negra por mês”.
No dia 1º de setembro, Aline, juntamente de sua amiga, Fabiana, lançou o Fundo Agbara (palavra yorubá que significa potência). Em apenas 5 dias, o fundo tinha 60 doadores recorrentes. Em menos de 4 meses, eram mais de 270 doadores. Para a hoje mestranda em educação, o motivo do sucesso é a inovação da iniciativa e a importância de se investir nas mulheres negras do Brasil, que sofrem com as desigualdades de gênero, raça e classe. Até agosto de 2021, o Agbara já havia arrecadado 600 mil reais, realizado mais de 1.800 atendimentos e apoiado 89 mulheres com aportes de 5 mil reais.
Os programas oferecidos pela organização consistem em capacitações técnicas e políticas-cidadãs para mulheres negras de todo o país, que após dois meses nos cursos, recebem o aporte financeiro. Em 2022, já foram realizados dois programas voltados para mulheres negras empreendedoras. O terceiro, que está em andamento, é focado em mulheres negras catadoras de materiais recicláveis. Ao final do ano, o Agbara pretende ainda lançar um programa voltado para mulheres negras que atuem nos sistemas de alimentação.
Além disso, o fundo também oferece mentorias e consultorias em diversidade, e tem o objetivo de começar a incidir politicamente através do advocacy. Aline conta que uma das políticas públicas que o Agbara defende é a criação de um fundo público de reparação financeira para a população negra. “Essas mulheres nos emocionam todos os dias”, diz Aline ao comentar que apesar de todas as barreiras sociais que enfrentam, as mulheres negras são muito criativas e perspicazes ao encontrar saídas únicas aos problemas que enfrentam.
“Elas precisam de capacitações técnicas e educação formal, porque o direito à educação de qualidade é privado a nós, população negra em geral. E nós acreditamos que as políticas públicas de inclusão produtiva devem andar juntas com políticas públicas de educação”, explica Aline.
Hoje, o Fundo Agbara conta com patrocínio e apoio de diversas empresas e organizações, e pode ter metas e objetivos a longo prazo. Para Aline, que agora se sente mais segura e forte, também há novas perspectivas de futuro. “Depois de tanto tempo sendo silenciada em um espaço muito embranquecido, que é o ambiente acadêmico, hoje eu não tenho vergonha de falar. E fui fazer o mestrado justamente para responder algumas perguntas que a gente, no Agbara, tinha”, diz ela. E ainda finaliza: “o Agbara é a maior riqueza da minha vida”.