Congresso apresenta os impactos da pandemia no tratamento oncológico
Discussão foi tema de abertura do 7º Congresso Todos Juntos Contra o Câncer, realizado pelo movimento TJCC. Mesa reuniu representante da OMS e especialistas oncológicos do Brasil
Por: Mariana Lima
Agora em setembro, o Movimento Todos Juntos Contra o Câncer realizou a 7ª edição anual de seu Congresso, reconhecido por reunir especialistas, políticos e pesquisadores da oncologia em debates em prol da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer.
Este ano, devido aos protocolos de prevenção contra a Covid-19, o evento foi realizado no formato online. Além disso, a temática central das discussões foi o impacto da pandemia nos diagnósticos e no tratamento contra o câncer.
A idealizadora do evento, Merula Steagall, presidente da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale) e da Associação Brasileira de Talassemia (Abrasta), ressaltou a importância de promover essas discussões especializadas para que não haja retrocessos nas ações de prevenção e diagnóstico.
“O Brasil apresenta muitas desigualdades. Temos um Sistema Único de Saúde (SUS) ainda descentralizado, dificultando o trabalho em rede. A saúde é um direito garantido pela Constituição. Com diversas iniciativas e muito dinheiro investido, as coisas deveriam dar certo”, argumenta.
Os impactos da Covid
De acordo com um levantamento realizado pelo Instituto Oncoguia, organização de apoio a pessoas com câncer, 43% dos entrevistados relataram que tiveram o tratamento afetado na pandemia, com procedimentos adiados, cancelados ou dificuldades para marcar as consultas.
A pesquisa foi feita entre os meses de março e maio, com 566 pessoas, sendo 429 pacientes em tratamento. Vale ressaltar que na média os pacientes do SUS foram os que enfrentaram maiores dificuldades (60%), contra 33% da rede privada.
O pequeno recorte do quadro brasileiro exemplifica a importância do tema da mesa de abertura do congresso: ‘O impacto e aprendizados da COVID-19 para a Oncologia’.
A mesa contou com a participação do oncologista e oficial técnico de Controle do Câncer do Departamento de Doenças Não Transmissíveis e da Divisão de Cobertura Universal de Saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), Andre Ilbawi.
Para Ilbawi, a pandemia expôs as vulnerabilidades de todas as sociedades, apontando os obstáculos para o acesso adequado aos sistemas de saúde.
“As pessoas que têm um histórico de desvantagem, como pobreza, baixo nível educacional e falta de emprego, são as que mais sofrem agora na pandemia. Esse momento nos mostrou o caminho que temos que percorrer para que os sistemas de saúde mundiais estejam preparados para receber ameaças como essas e, ainda assim, garantir que cada pessoa tenha o atendimento contra o câncer a despeito do país em que viva”.
Uma preocupação lançada por Ilbawi é a participação da Sociedade Civil na execução de projetos sociais ligados ao combate ao câncer, incluindo o desenvolvimento de campanhas.
“As vulnerabilidades também dizem respeito a essas questões. A Sociedade Civil está ameaçada, pois, com a retirada de fundos para a pandemia, não conseguirá entregar os antigos serviços. A Sociedade Civil e as ONGs são uma parte muito importante do tratamento contra o câncer”.
A discussão proposta pela mesa também incluiu o Chefe da Hematologia Clínica do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes, Hospital São José e Beneficência Portuguesa de São Paulo, Phillip Scheinberg.
Scheinberg relembrou a atuação no início da pandemia e a sensação de trabalhar no escuro, devido à falta de dados e informações sobre o comportamento do vírus Sars-CoV-2, causador da Covid-19.
“As coisas aconteceram de forma rápida e sem todas as informações disponíveis. Neste cenário, buscamos tomar as decisões em consulta com todos para sentir que estávamos fazendo o mais correto pelos pacientes e familiares. A meta era fazer de tudo para protegê-los e continuar oferecendo o tratamento a quem precisava e que não podia esperar”, conta.
A fala foi complementada por Ilbawi, que ressaltou a importância de garantir o funcionamento de todo o sistema para que o paciente possa sobreviver.
“O sistema precisa garantir o acesso ao remédio, ao hospital e ao atendimento. Como capacitamos o sistema de saúde para que o paciente com câncer receba o melhor tratamento? Tivemos muitos progressos, mas ainda há desigualdades globais e problemas a serem superados”, argumenta.
Ilbawi observa que “ainda vemos problemas enormes, como o diagnóstico tardio e a força de trabalho inadequada em países mais pobres com um oncologista para cada 1000, 1500 pacientes. É impossível você providenciar um tratamento de qualidade assim”, aponta.
Contudo, Scheinberg defende a importância de se observar também as boas práticas que surgiram durante a crise.
“Na história vemos períodos como esse, que são difíceis, mas trazem inovação por meio da resiliência. Vai acontecer nessa pandemia também. Já vimos um pouco com a valorização do profissional da saúde”, pondera.
Inovação e resiliência também são características apontadas por Ilbawi, que enxerga o momento atual como uma prova de que a saúde deve ser defendida como um bem social.
“A saúde, até o momento, não era colocada como prioridade. Vemos agora que saúde não é um luxo, mas um bem fundamental. Toda pessoa do mundo merece receber um tratamento adequado. Temos que construir uma mensagem de solidariedade para ter um progresso contra o câncer na próxima década”, defende.
Telemedicina: avanço ou precarização?
A mesa também se debruçou sobre a questão da telemedicina e o aumento do serviço durante a pandemia. Para Scheinberg, o avanço do uso de recursos virtuais ocorreria de qualquer maneira, mas a pandemia acelerou os processos.
“A questão central é se as pessoas, os médicos, hospitais e planos de saúde estavam prontos para a telemedicina. Do ponto de vista técnico, parece simples, mas no serviço de saúde os pacientes têm muita dificuldade. Tive pacientes que sem os netos ou filhos para ajudar não conseguiram utilizar os recursos. O cenário já é preocupante, mas se agrava se pensarmos que existem pessoas que dificilmente terão acesso sequer ao aparelho. É uma discussão a ser feita com a sociedade”.