Exploração infantil x Copa do Mundo
Conheça a Casa da Arte de Educar, que articulou uma rede de proteção à infância com lideranças comunitárias, escolas, ONGs, museus, poder público e UPPs sociais no Rio de Janeiro para combater o abuso e a exploração infantil no período do torneio.
A presidente Dilma Rousseff sancionou recentemente, no dia 21 de maio, a lei que torna crime hediondo a exploração sexual ou favorecimento à prostituição de crianças, adolescentes e vulneráveis. Com a sanção, o cumprimento das penas passará a respeitar o que é previsto no caso da prática de crime hediondo, como o início da pena no regime fechado e com progressão para o semiaberto (que permite trabalho fora da prisão), somente após o cumprimento de, ao menos, 2/5 da pena (ou de 3/5, se for reincidente), e não 1/6, como nos demais crimes.
A partir de agora, o crime de favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável passa a integrar o rol dos hediondos, assim como latrocínio e homicídio. Já faz parte dessa lista o estupro e o estupro de vulnerável. A partir de agora, quem cometer o crime não terá direito a anistia, graça ou indulto, nem ao pagamento de fiança. A pena precisa começar a ser cumprida em regime fechado.
O assunto merece atenção em especial neste período de Copa do Mundo, em que o número de turistas aumentará em nosso País. Esta é a proposta da Casa da Arte de Educar que trabalha para garantir os direitos de crianças e adolescentes, promovendo ações capazes de contribuir para a qualificação das políticas públicas de educação, cultura e direitos humanos.
Em entrevista exclusiva ao Observatório do Terceiro Setor, a gestora de projetos da Casa da Arte de Educar, Lolla Azevedo, nos conta sobre o trabalho da instituição e sobre o abuso e exploração infantil no período da Copa do Mundo.
Observatório do Terceiro Setor: Qual é o cenário atual de abuso e exploração infantil?
Lolla Azevedo: O Disque-Denúncia atende pelo número 100. A ligação é gratuita e pode ser feita de qualquer telefone. É um serviço da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), destinado a receber demandas relativas a violações de Direitos Humanos, não apenas sobre exploração sexual, mas qualquer tipo de violação envolvendo pessoas ou grupos.
Em 2013, foram registradas 124.079 denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes. O número de denúncias não corresponde ao número de casos de fato constatados, mas dá uma ideia do tamanho do problema.Dos 13 tipos de violações registradas pelo Disque-Denúncia, a violência sexual ocupa o
4º lugar:
1º Negligência 73%
2º Violência psicológica 50%
3º Violência física 43%
4º Violência Sexual 26%
Normalmente, quando ocorre a violência sexual, outros direitos também foram violados. Ou seja, a criança ou o adolescente já foram negligenciados e, possivelmente, passaram por episódios de violência física e psicológica.
Observatório: O que mais preocupa com a proximidade da Copa?
Lolla: Durante a realização de grandes eventos aumenta o número de casos de exploração sexual, trabalho infantil, abuso excessivo de álcool e drogas em geral, além da violência policial em manifestações de rua que podem acontecer nessa época. É necessário estar atendo a violação de direitos como acesso à educação de qualidade; cidadania; abuso e exploração sexual infantil; violência familiar, psicológica e física.
Observatório: E quais serão as ações da Casa para este momento?
Lolla: Para garantir os direitos de crianças e adolescentes moradores de favelas, durante a Copa do Mundo, articulamos uma rede de proteção à infância com lideranças comunitárias, escolas, ONGs, museus, poder público e UPPs sociais no Rio de Janeiro. A preocupação é com o aumento do número de assaltados, confrontos policiais nas comunidades, além de casos de exploração sexual de crianças. Participam da iniciativa as comunidades do Borel, Formiga, Andaraí, Turano, Mangueira, Tuiuti, Salgueiro e Manguinhos. A iniciativa conta com o apoio da Petrobras.
A Casa da Arte de Educar articula a rede de proteção desde o início do ano. A ação será estendida por dois anos envolvendo diferentes atores das comunidades envolvidas. A partir de reuniões, um levantamento da situação de crianças está sendo realizado para construção de ações que melhorem as condições de vida de menores em situação de risco social nas áreas de educação, cultura, saúde e cidadania.
Já realizamos um trabalho de prevenção e orientação à violência na Mangueira. Em rodas de conversas, familiares e jovens de diferentes idades falam sobre todos os tipos de violência: física, psicológica e sexual. Nestas atividades, eles se veem acolhidos e faz com que nossas conversas aconteçam sem pressão, sem motivos para obrigar a denunciar. A conotação é de informar.
A estratégia para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes também envolve reuniões periódicas com assistentes sociais, psicólogos, professores da rede pública, UPPs sociais, agentes de saúde e conselheiros tutelares. Nos encontros são discutidas e repassadas orientações sobre como atuar e enfrentar esse desafio.
Observatório: Como nasceu a Casa e quais foram as conquistas até então?
Lolla: Nasceu em 1999 da reunião de educadores das favelas com profissionais de áreas diversas da educação que buscavam, juntos, contribuir para a qualificação da educação pública. Hoje somos referência em educação integral em favelas. Em 2007, a Casa criou a tecnologia social “Mandala de Saberes” com o objetivo de ampliar o diálogo entre as práticas escolares e as não escolares. Essa iniciativa recebeu vários prêmios, entre eles o Prêmio Itau Unicef/2009. Atualmente, essa metodologia integra a “Coleção Mais Educação”, do Ministério da Educação e vem sendo utilizada no projeto nacional “Um Plano Articulado para Educação e Cultura”, desenvolvido com o ministério da Cultura para construção de novas políticas públicas em Cultura e Educação.
O projeto acontece no contraturno escolar. Os estudantes participam de aulas regulares e depois vão para a Casa, que fica localizada na Mangueira, de segunda à sexta-feira, para participar de atividades como oficinas de artes plásticas, música, percussão, capoeira, audiovisuais (fotografia e vídeo), jogos e contos, que resgata a memória da comunidade através de jogos e histórias. Dentre os principais resultados destacamos a aprovação escolar de 98% e redução da evasão em suas escolas regulares dos estudantes que participam das ações da Casa da Arte de Educar, o resgate da convivência em família e a garantia de direitos humanos. Atualmente, beneficiamos 200 estudantes nas faixas etárias de seis a 16 anos, além de 50 estudantes no turno da noite na Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Crédito da foto: Stefano Figalo.