Herói brasileiro salvou Porto do Recife de uma explosão como a de Beirute
Em 1985, um navio petroleiro pegou fogo no Porto do Recife. Se não fosse a coragem de Nelcy da Silva Campos, um trabalhador do local que conseguiu afastar o navio em chamas do porto, técnicos estimam que teria ocorrido uma explosão capaz de destruir o Centro Histórico e diversos bairros da capital pernambucana
Era madrugada de sábado para domingo, em 12 de maio de 1985, Dia das Mães, quando um dos tanques do navio-petroleiro Jatobá pegou fogo no Porto do Recife, em Pernambuco.
O Jatobá carregava 1,5 mil toneladas de gás butano que se transformaram em labaredas de 20 metros de altura. Atracadas de cada lado do navio estavam outras duas embarcações, também carregadas com gás de cozinha.
O maior risco, porém, era que as chamas atingissem os 153 mil metros cúbicos de produtos inflamáveis estocados no Parque de Tancagem do Brum, a apenas 500 metros de distância do incêndio.
Se isso ocorresse, os técnicos estimam que a explosão destruiria todo o Centro Histórico do Recife, atingindo os bairros de Santo Antônio, Recife, Boa Vista, Brasília Teimosa e Pina.
A explosão devastadora no setor portuário seria capaz de atingir bairros inteiros, como a que matou mais de 200 pessoas e deixou 250 mil desabrigados em Beirute, no Líbano.
Os bombeiros foram acionados por volta de 1h30 da madrugada. Enquanto dez homens combatiam as chamas, três oficiais da guarnição de resgate subiram engatinhando pelas cordas que prendiam o navio ao porto para resgatar um jovem desacordado em uma das cabines.
“Nós estávamos em cima do navio que estava na iminência de explodir”, afirma o coronel Leonardo Paiva, na época um aspirante a oficial recém-saído da academia.
“Só quando chegamos ao local, percebemos o risco daquela situação. O Brum era o grande depósito de todas as empresas de combustível de Pernambuco. Nós tínhamos apenas duas viaturas pequenas, sem água suficiente para combater aquele incêndio”, lembra.
Eles conseguiram uma bomba do próprio porto para abastecer os caminhões dos bombeiros com água drenada do mar que era, então, usada para apagar o fogo no navio.
“Estava tão quente que o solo dos nossos coturnos se desfez. Nós não tínhamos roupa de aproximação, nem máscara. O capacete não tinha viseira. Nós respirávamos por meio de toalhas molhadas”, diz Paiva.
Às 4h da manhã, o comandante do navio avisou aos bombeiros que o risco de explosão era iminente e eles começaram a tentar evacuar o Bairro do Recife, onde o porto está sediado.
Herói
A essa altura, o prático da barra Nelcy da Silva Campos já havia chegado ao porto. Os práticos trabalham guiando os navios na chegada e na saída dos portos.
Nelcy já havia trabalhado no sábado pela manhã, mas foi o único a ir até o local do incêndio. O amigo Luiz Augusto Correia de Araújo, hoje aos 80 anos, diz que ele tinha uma “coragem inusitada”. A única saída para evitar um desastre era levar o petroleiro para alto mar.
“Antes de tirar o navio que estava pegando fogo, ele teve que tirar o da frente e botar a 400 metros de distância. Depois, voltou para fazer o mesmo com o que estava atrás. Para evitar que o fogo se espalhasse para os outros dois petroleiros”, conta Nelcy Campos Filho, primogênito do prático, que tinha 27 anos na época.
Depois de afastar os outros dois petroleiros, Nelcy pai amarrou um rebocador à parte dianteira do navio. A essa altura, não havia mais resfriamento e a operação era delicada.
Nelcy com sua coragem levou o Jatobá, ainda em chamas, para uma distância de quatro milhas (aproximadamente seis quilômetros) da costa. Nelcy morreria cinco anos depois.
Em 2003, ele ganhou um busto da Marinha que, hoje, está em frente ao Terminal Marítimo de Passageiros do Porto do Recife.
Fonte: BBC News Brasil